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Mostrando postagens de 2023

Pistas e Poucas Recompensas (Anatomia de uma Queda)

Snoop corre certeiro em direção ao corpo caído na neve.  Daniel entra em pânico, a sensação é de total desespero. Sim, sensação, pois o garoto, portador de deficiência visual, busca intensidade pelo toque. O corpo é de Samuel. Daniel grita pela mãe, Sandra, que liga imediatamente para a emergência. E, assim, o pesadelo da protagonista começa. Ela é a principal suspeita pela morte do marido. O roteiro de Justine Triet propõe um jogo de pistas e não proporciona ao espectador todas as recompensas. Esse jogo ganha amplitude quando uma tríade participa ativamente do processo: Sandra, Daniel e o espectador. O trio observa o julgamento movido por emoções. Sandra precisa manter-se firme, apesar do turbilhão de sensações dentro de si; Daniel se vê divido entre as lembranças do pai e a dúvida sobre a inocência da mãe; já o espectador observa atento os eventos gerando um misto de emoções causados pela empatia presente na relação entre mãe e filho e, posteriormente, o distanciamento dos personagen

A sombra (O Assassino)

O novo filme de David Fincher  O Assassino, adaptação de uma série de Hqs francesa, criada por Alexis Nolent, apresenta o protagonista explorando a sutileza dos elementos narrativos. Temos a narração em off que causa certa empatia. O timbre na voz de Michael Fassbender transmite a frieza do personagem, o recurso está ali para "justificar o didatismo dos métodos". Quando algo inesperado acontece, a narração mantém o timbre com poucas nuances, ressaltando o fato do matador eliminar alvos e, nas horas vagas, carboidratos. Não se engane com blusas estampadas, um disfarce perfeito, sempre que o protagonista elimina um alvo, o preto toma conta aos poucos do assassino, como se cada peça nos mostrasse o matador por completo, sua essência: coberto pela sombra da morte. O encontro com o último alvo reforça a transparência do protagonista. O foco é trabalhar com as emoções da vítima, não ter empatia. E o figurino de Fassbender na cena? Todo preto. A direção de David Fincher cria uma atm

O Yn e Yang do Trio (Assassinos da Lua das Flores)

Assassinos da Lua da Flores exalta a todo momento o contraste entre o Yn e Yang presente no Ser Humano. Mollie Burkhart é uma mulher de semblante sereno, porém sua observação do mundo é tão cortante, que entra em erupção nos momentos de conflitos internos da personagem, quando o Yang surge certeiro. Já, o Rei, William Hale, é a combustão, o Yang move as ações do coadjuvante necessitando de uma faísca para explodir em ganância, aqui, o Yn surge como fachada. Agora, com Enerste Burkhart, os opostos duelam em cada cena buscando o equilíbrio entre duas famílias. O protagonista alcança o Yn, na família com Mollie, já o Yang, o impulsiona ao participar do genocídio da tribo Osage. Enerste nunca consegue atingir o equilíbrio, o laço sanguíneo o move de forma consciente, porém, o Yn está ali, mesmo que camuflado. Uma calma passageira atinge o personagem ao tentar fazer o que é certo, mesmo que o sentimento logo desapareça ao ser confrontado pela esposa. Scorsese intensifica às raízes culturais

Você conhece Jacky? (Bullhead)

Logo na primeira cena de Bullhead, Jacky nos relata, em narração em off, que acontecimentos traumáticos nunca deixam de nos perturbar. Eles sempre retornam com  intensidade devastadora. Esse relato instiga o espectador e nos faz  acompanhar os eventos propostos pelo roteiro no estudo de personagem. Por ser veterinário, o protagonista é cercado de animais e injeta substâncias ilegais para que os bois tenham um crescimento intenso. Assim como os bichos, Jacky também utiliza o hormônio no corpo, com a finalidade de reverter o irreversível. Como evitar os efeitos traumáticos na alma? Aos poucos o espectador acompanha os conflitos internos do protagonista, como também testemunha o vício em testosterona.  Jacky e os animais não são distintos. Em diversas cenas, o protagonista é movido pela impulsividade, Matthias Schoenaerts toma o filme para si, em uma performance que ressalta o físico, sem deixar de lado o olhar perdido imerso na solidão, de um homem que  afirma não ser capaz de sentir. Co

Quando o protagonista é o clichê (The Mustang)

Uma narrativa consegue emocionar pela previsibilidade? The Mustang é um exemplo de como o clichê é explorado em alguns elementos narrativos para envolver o espectador em torno das emoções. Na trama, Matthias Schoenaerts  - que apresenta nuances do personagem de Ferrugem e Osso - imprime  brutalidade e intensidade no olhar. O protagonista é preso e transferido para um programa de reabilitação visando o controle de seu comportamento violento, nele os detentos precisam domar os cavalos para que sejam leiloados. A narrativa repleta de momentos previsíveis envolve o espectador e emociona na temática central: a relação entre Mustang e Roman. Um é a extensão do outro. É importante perceber que a direção sabiamente compreende ao máximo o alcançe de Matthias, que com a mesma intensidade física demonstra uma vulnerabilidade no olhar que cativa o espectador. Neste momento, aliás, durante toda a narrativa, o espectador é bombardeado por uma infinidade de closes. The Mustang é claramente um filme c

Está tudo bem (Barbie)

Barbie, de  Greta Gerwig , possui uma temática feminina? Sim, no primeiro ato a infância de muitas mulheres que brincavam com acessórios, casas, piscinas e  bonecas ganham o devido destaque. O acerto da diretora é dar vida à Barbielândia nos mínimos detalhes e, consequentemente, estabelecer uma identificação direta com o público-alvo. O roteiro da dupla também visa os lucros da Mattel e apresenta os mais variados tipos de bonecas/ coadjuvantes, assim, nos faz reviver momentos de pura nostalgia. O filme começa a pecar no humor exagerado, quando a protagonista fala com todos e não consegue parar. Aqui,  o inevitável aconteceu: enquanto a nostalgia me aproximava, o humor  afastava. Bom, como já tinha em mente que boa parte do longa seria um obstáculo para mim, outros aspectos poderiam me envolver na busca da boneca em compreender o quanto é difícil ser humano. Na trama, após alguns devaneios, Barbie procura,"o oráculo", uma referência mais do que direta à Matrix, um marco da cul

Um pouquinho de Malick (Oppenheimer)

Um dos filmes mais intrigantes que assisti na adolescência foi Amnésia, do Nolan. Lembro que escolhi em uma promoção de "leve cinco dvds e preencha a sua semana". Meus dias foram acompanhados de Kubrick, Vinterberg e Nolan. Amnésia me deixou impactada e ali  percebi um traço importante na filmografia do diretor: o caos estético. Um caos preciso que você teria que rever para tentar compreender a narrativa como um todo. Foi o que fiz e  parece que entendi o estudo de personagem proposto por Nolan.  Décadas após o meu primeiro contato, sempre que o diretor apresenta um projeto, me recordo da época boa em que minhas preocupações eram fórmulas de física e os devaneios dos filmes. Pois chegou o momento de Oppenheimer, a cinebiografia do físico que carregou o peso de comandar a equipe do Projeto Manhattan,  criar a bomba atômica e "acabar" com a Segunda Guerra Mundial. A Guerra Fria já havia começado entre Estados Unidos e a Alemanha, no quesito construção da bomba, a ten

Me fez sentir....(Beau tem Medo)

Leos Carax e Holy Motors. Criador e Criatura. O ano foi 2021, (Holy Motors é de 2012, mas só descobri recentemente. Antes tarde, do que nunca), quando fiquei totalmente imersa no turbilhão de sensações que Carax me proporcionou. Se você me perguntar algo da trama e dos personagens, a única resposta que ainda tenho é: não tenho. Paula, tá tudo bem? Não sei. Só sei que não consegui ficar indiferente com a jornada de Beau tem Medo. Explicar sensações é um tanto quanto complexo e pessoal. Cada um vai sentir a obra de Ari Aster de uma maneira única.   Na trama, Beau é um homem, na mente de uma criança,  que delira e sente traumas provocados por ataques de ansiedade e pânico. O que Beau sente é a ausência paterna e sufocamento materno.  Joaquin Phoenix nos faz um convite para acompanhá-lo na jornada do pequeno grande Beau. O corpo do ator treme, o olhar é paralizante e a voz é de uma criança desamparada em busca do autoconhecimento. É de uma entrega sem limites. Não é à toa que Ari explora

Vin Diesel e Lua de Cristal (Velozes e Furiosos 10)

"Tudo pode ser, se quiser será Sonho sempre vem pra quem sonhar Tudo pode ser, só basta acreditar Tudo que tiver que ser, será".   Quem não lembra da icônica música da Xuxa, no filme Lua de Cristal? O que a letra está fazendo no texto de Velozes e Furiosos 10? Nada, ou tudo, se você quiser, será! A letra possui ligações com o filme de Vin Diesel  pelo roteiro repleto de frases de efeito e por Jason Momoa, que mais parece um desenho animado do programa da Rainha dos Baixinhos, que aquecia o coração das crianças nas manhãs da Globo. A música persegue o filme porque Xuxa tinha como público- alvo as crianças, certo? Ok, como definir o vilão de Jason? O personagem é estremamente caricato. A forma como o ator proporciona risos no espectador é digno de coragem. A escrita é legítima e verdadeira. É preciso coragem para fazer um personagem que sempre está na corda bamba e pode cair à qualquer momento, porém, Jason segura às pontas e nos faz refletir que ele é mesmo um psicopata que no

Sempre os detalhes... (Creed III)

Vivemos em uma época em que os fãs movem céus e terras por personagens queridos. Na intensidade das emoções, ainda temos a sensação de que o próprio ator não sabe onde começa e termina o personagem. Estou falando de Rocky ou de Stallone? Nem a pessoa que escreve sabe ao certo. E está tudo bem, aliás, tudo ótimo, porque Stallone ou Rocky são de uma sensibilidade e carisma sem tamanho. No imaginário dos fãs, Rocky estaria em Creed III, porém, após assistir o filme, não caberia uma pequena participação para Rocky, afinal, em Creed II , o protagonista finalmente libera a última fera que ainda está presa no porão: o afeto com o filho. Não seria justo com um personagem tão emblemático apenas participar com um pequeno arco.  Creed III marca a estreia de Michael B. Jordan na direção. Na trama, Adonis precisa lidar com traumas do passado e retornar aos ringues. Como sempre, o esporte é o pano de fundo para o que sempre impulsionou a franquia desde o primeiro filme em que o protagonista foi expl

A caixa de pandora de Aronofsky (A Baleia)

Na mitologia grega, a caixa de pandora foi criada para conter os males mundanos, principalmente os do corpo e da alma. Em A Baleia,  Darren Aronofsky  abre a caixa de pandora de Charlie, um professor de literatura meigo, que enfrenta tudo o que o objeto lhe proporciona, inclusive, a esperança nos outros. Vale destacar que o protagonista está extremamente enfermo por sofrer de obesidade mórbida. Ele pesa mais de 270 kilos e a única esperança é passar alguns momentos com a filha adolescente. Aronofsky faz questão de abrir sempre a caixa de pandora de suas criaturas, porém Charlie recebeu uma caixa repleta de superficialidade em um roteiro raso. A Baleia é a adaptação da peça de teatro de Samuel D. Hunter, por essa razão existe o conflito no estudo de personagem na narrativa, os males do corpo e da alma estão lá, porém explorados de maneira equivocada. A ausência na assinatura do diretor faz o espectador se afastar por completo de Charlie. Sentimos pena, muita pena do SER HUMANO. Todos os

Frieza e distanciamento (Tár)

No filme de Todd Field a ausência de  Cate Blanchett  é evidente e quem surge é Lydia Tár. A atriz literalmente deixa a protagonista tomar conta da narrativa. Poucas conseguem o que Cate realiza no longa. A composição da protagonista é similar a de uma partitura. A atriz apresenta nuances de forma linear, como a frieza e arrogância da protagonista, para, posteriormente, o espectador entrar na partitura por completo, quando Lydia perde o controle por conta da avalanche de comentários e manifestações que retratam a cultura do cancelamento. A firmeza e entrega de Cate é intensa e contida por conta da frieza e forma como Tár trata todos ao seu redor. À medida que Cate perde o controle, a frieza ainda persiste ou seria arrogância? Talvez pelo fato de ter que enfrentar o preconceito em um meio dominado por homens e também por ser lésbica. O estudo é tamanho que pequenos detalhes, como dois toques no nariz, evidenciam o  TOC que a protagonista tenta controlar entre um comprimido e outro até q

Baz e sua roda gigante (Elvis)

Baz Luhrmann transforma a cinebiografia de Elvis em uma verdadeira roda gigante. Em determinada cena, o brinquedo fica parado, com o Coronel e Elvis no topo, planejando o sucesso da dupla, sempre em dupla. E, assim, entramos no brinquedo com os altos e baixos dos elementos narrativos. Na parte de baixo do brinquedo temos o trabalho de  Austin Butler  que não alcança o espectador. A sensação que o ator transmite é de estar posando para a câmera "imitando" o ícone do rock. Em poucas cenas conseguimos ver emoções e nuances, porém tudo fica na superfície, por conta da autoria que toma conta da tela. Butler é extremamente talentoso e sabe do peso de separar a persona do lado humano de Elvis. Podemos ver um vislumbre do último, já perto do desfecho, quando o diretor puxa o freio da roda e trabalho do ator finalmente surge. Mas fica um gostinho de que poderia ser maior. Outro elemento que contribuí ao máximo para que Butler não envolva o espectador na trajetória do "protagonist

Sammy, uma tesoura e a trégua (Os Banshees de Inisherin)

O que fazer quando o seu melhor amigo quer simplesmente acabar com a amizade e usa a justificativa que você é chato e que ele não quer perder tempo com conversas frívolas. Colm necessita mais do que nunca deixar uma marca neste mundo, uma música impactante. Sem compreender e questionando o fato de realmente ser considerado chato, Pádraic passa boa parte do filme tentando reatar os laços com o amigo. Cada tentativa é um dedo a menos para Colm, uma tentativa frustrada e ausente de esperanças para o tão sonhado legado musical. Os Banshees de Inisherin toca em temáticas atuais  e  tem como pano de fundo a Guerra Civil Irlandesa. O quarteto principal vive em um pequeno vilarejo, Inisherin, absorvendo a atmosfera tensa da década de 1920. Enquanto Irlandeses travam Guerra entre si, o mesmo acontece com os amigos. A batalha entre eles é explorada em um crescente: diálogos intensos e engraçados, para, posteriormente, observarmos atitudes irracionais. o roteirista  Martin Mcdonald  trabalha de f

Ah, os elementos narrativos... (Close)

Close disputa o Oscar de filme internacional em 2023 com Nada de Novo no Fronte, provavelmente perderá, porém, não chamou a atenção dos votantes à toa. A trama gira em torno de Léo e Rémi, amigos de treze anos, que após um acidente, totalmente previsível, muda à vida de todos e faz o espectador refletir sobre diversas temáticas. A previsibilidade do roteiro não impede o público de sentir todas as emoções que o longa proporciona. O diretor Lukas Dhont retoma alguns questionamentos apresentados em Girl, como a pressão do adolescente em pertencer e ser abraçado sem preconceitos. O abraço inclusive é explorado com intensas e divergentes conotações. Pode representar uma fuga, perdão e aconchego.  Como nada na composição de uma cena é por acaso, os elementos narrativos apresentados dialogam em um crescente ao construir a relação entre os amigos, para desconstruí-los aos poucos. Lukas, em repetidos takes, nos mostra os adolescentes andando de bicicleta. Rémi sempre à frente, nos fazendo refle

Sammy e o conselho de Tio Boris (Os Fabelmans)

Liam Neeson comentou em uma entrevista, na época que divulgava A Lista de Schindler, que trabalhar com Spielberg era como ser uma marionete. Assistir Os Fabelmans me fez compreender a afirmação que o ator fez décadas atrás. No decorrer da semibiografia do diretor, todos os personagens são dirigidos, não de forma fluída, assim, uma protagonista tomou o lugar de Sammy durante todo o filme: a mão de Steven. Porém, um detalhe fez toda a diferença enquanto eu assistia: a experiência do elenco adulto em cada cena. Existe um determinado momento, que a família precisa adaptar-se com as mudanças constantes que o trabalho de Burt Fabelman provoca em todos. Com os deslocamentos, que ganha aspectos de Road Movie, o marido entra em casa, com a mulher nos braços. A forma como Spielberg  dirige essa cena soa um tanto quanto cinematográfica ao extremo, se não fosse por um pequeno detalhe: o foco na expressão desoladora de Mitzi Fabelman. E essa sensação da mão de Steven, me acompanhou porém, o minimal