Liam Neeson comentou em uma entrevista, na época que divulgava A Lista de Schindler, que trabalhar com Spielberg era como ser uma marionete. Assistir Os Fabelmans me fez compreender a afirmação que o ator fez décadas atrás. No decorrer da semibiografia do diretor, todos os personagens são dirigidos, não de forma fluída, assim, uma protagonista tomou o lugar de Sammy durante todo o filme: a mão de Steven. Porém, um detalhe fez toda a diferença enquanto eu assistia: a experiência do elenco adulto em cada cena. Existe um determinado momento, que a família precisa adaptar-se com as mudanças constantes que o trabalho de Burt Fabelman provoca em todos. Com os deslocamentos, que ganha aspectos de Road Movie, o marido entra em casa, com a mulher nos braços. A forma como Spielberg dirige essa cena soa um tanto quanto cinematográfica ao extremo, se não fosse por um pequeno detalhe: o foco na expressão desoladora de Mitzi Fabelman. E essa sensação da mão de Steven, me acompanhou porém, o minimalismo em alguns momentos dos atores me ganhou por completo.
Spielberg explora a trajetória do protagonista desde de a infância até o início de uma possível entrada na universidade. Aqui podemos destacar um equívoco do diretor no roteiro, em prolongar e repetir diversas cenas focando na mesma subtrama, o que torna não somente a narrativa cansativa, como também me fez questionar sobre a importância de Seth Rogen . O personagem ganha força somente na cena da imagem abaixo, onde Sammy descobre algo que pode abalar sua família. No lado oposto temos à figura do tio Boris, que é explorado de forma instantânea, mas auxilia o protagonista proporcionando reflexões sobre o significado da arte. É pontual e insere ritmo ao filme. Os coadjuvantes enfatizam o amor de Spielberg pelo cinema. Quando Sammy sofre bullying na escola por ser judeu e deslocado, em um filme caseiro, Steven nos faz refletir sobre como a perceção do diretor e do espectador mudam completamente ao termos contato com determinada obra. O close e câmera lenta que Sammy utiliza para explorar o "protagonista" da escola, o transforma em herói, mas na visão de Logan, ele é motivo de chacota. Steven nos proporciona uma verdadeira aula de como fazer cinema, onde à vida do diretor transforma-se em um filme dentro do filme. Pura metalinguagem.
Se por um lado Spielberg erra ao explorar o arco de alguns coadjuvantes, por outro acerta ao tratar temáticas difíceis como divórcio e depressão com sensibilidade, sua marca registrada. À medida que Sammy cresce e tudo muda ao seu redor, a narrativa ganha tons baseados na cruel realidade que um filme caseiro lhe fez compreender. Assim como o cinema nos fascina, ele também nos machuca nos lembrando de cicatrizes adormecidas. Se em E.T. Eliot fazia questão de afastar-se cada vez mais da figura materna, aqui Steven parece fazer às pazes com o passado ao retratar a complexidade de Mitzi. Com uma personalidade forte, Michelle Willians transmite a instabilidade emocional e transita entre a euforia e tristeza, além de lidar com os tabus da época. O amadurecimento de Sammy também é refletido na inovação e criatividade dos filmes caseiros. Cada drama do protagonista o faz mergulhar de forma mais profunda na complexa experiência que é dar vida a um filme.
Conhecido por fazer o espectador acreditar na humanidade de um extraterrestre, em E. T, ou em simplesmente nos encantar com um musical, em Os Fabelmans, o diretor realiza o que está em voga no momento: demonstrar o amor pela sétima arte, mesclando realidade e ficção. Alguns filmes nessa linha cativaram o espectador, como Roma, de Cuarón, outros perderam a mão, como o caso de Belfast, de Branagh. Em Os Fabelmans Spielberg reforça com exageros o melodrama, mas também presenteia o espectador com a leveza do humor destacando o equilíbrio na narrativa. Ao final do longa saímos um pouco cansados por conta das repetidas subtramas, porém, no geral, tio Boris tinha razão: Spielberg encontrou o amor pelo cinema e consegue até hoje nos emocionar como um excelente contador de histórias.
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