Logo na primeira cena de Bullhead, Jacky nos relata, em narração em off, que acontecimentos traumáticos nunca deixam de nos perturbar. Eles sempre retornam com intensidade devastadora. Esse relato instiga o espectador e nos faz acompanhar os eventos propostos pelo roteiro no estudo de personagem.
Por ser veterinário, o protagonista é cercado de animais e injeta substâncias ilegais para que os bois tenham um crescimento intenso. Assim como os bichos, Jacky também utiliza o hormônio no corpo, com a finalidade de reverter o irreversível. Como evitar os efeitos traumáticos na alma? Aos poucos o espectador acompanha os conflitos internos do protagonista, como também testemunha o vício em testosterona.
Jacky e os animais não são distintos. Em diversas cenas, o protagonista é movido pela impulsividade, Matthias Schoenaerts toma o filme para si, em uma performance que ressalta o físico, sem deixar de lado o olhar perdido imerso na solidão, de um homem que afirma não ser capaz de sentir. Com tamanha intensidade, o espectador o acompanha evitando a todo momento que o passado retorne.
A câmera de Michaël R. Roskam não deixa Matthias Schoenaerts um só instante. As lentes captam a angústia presente no olhar de Jacky ressaltando closes e intensificam ainda mais a sensação de pânico e ansiedade que o protagonista sente. Alguns momentos de vulnerabilidade são explorados com Jacky em posição fetal, porém, logo é quebrado pela montagem trazendo o protagonista para a dura realidade do vício.
A trilha é tocante e com o auxílio da montagem acompanha o espectador no estudo de personagem voltando ao passado utilizando flashbacks, porém, o silêncio ababafa o grito do animal enclausurado. Jacky é o animal também quando emite sons como se fosse um bicho enfurecido. A câmera desfocada provaca uma rima visual estabelecendo a conexão do boi com o ser humano. Vale destacar também o vermelho como reflexo direto das emoções de Jacky. A cor reforça aspectos importantes nos conflitos internos de Jacky: de punição religiosa, quando o protagonista, ainda jovem, não compreende ao certo qual a mensagem que Jesus quer dele; de violência, quando Jacky espanca uma pessoa na rua, a lanterna do carro vermelha é destaque, como uma maneira de alertar o espectador de que algo brutal está por vir e a sexualidade, quando o protagonista lamenta por não conseguir encontrar uma prostituta.
Quando um estudo de personagem é proposto ao espectador é preciso que o ator consiga compor com intensidade e que o roteiro explore o corpo e mente do protagonista. O desfecho de Bullhead nos convida para uma potente reflexão: os elementos narrativos nos aproximam da intimidade de Jacky? No meu caso, Ele "é um amigo próximo", que gostaria de rever de tempos em tempos.
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