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Mostrando postagens de 2022

Deixe Ana respirar (Blonde)

O roteiro de Blonde utiliza em alguns momentos a narração em off, nos envolvendo em um fio de expectativas que Norma Jeane cria em relação ao pai. Nas últimas cartas, Ele escreve: " Queria muito te conhecer". Essa frase é emblemática, pois o espectador é o olhar paterno em diversas cenas. Passamos boa parte do tempo querendo conhecer a protagonista, porém o roteiro gira em círculos e não consegue sair do lugar. Vale destacar que o filme de Andrew Dominik é baseado na obra literária de Joyce Carol Oates, onde tudo em torno da vida de Marilyn é ficção e extremamente amplificado. Dominik intensifica ainda mais o que Monroe sofreu ao tentar encontrar dentro de si a pequena Norma que foi abandonada no orfanato ainda criança. Além do roteiro não deixar o espectador respirar por focar somente em momentos trágicos, a fotografia é utilizada de forma aleatória. Em momentos dramáticos, ela ganha força em preto e branco, mas também ganha vida em cores quando Norma tenta se esforçar ao má

Sobre ego,criatividade e autoria.

Após assistir ao excelente Lamb , alguns devaneios tomaram boa parte do meu tempo. Escutava uma música, escrevia críticas, dançava feito louca (faço isso sempre e você deveria tentar também porque faz um bem danado pra alma) e a criança não saía da minha cabeça. Para realmente seguir em frente, eu teria que responder uma pergunta: até que ponto nos envolvemos por completo na autoria de um diretor(a)? Com Lamb, eu tive uma luz certeira para essa indagação: é preciso que tudo esteja em ordem, ou melhor, que o caos criativo seja coerente com o que é proposto logo no começo. O roteiro foca no luto, uma maneira inovadora de ressaltar a temática já explorada constantemente no cinema. Eu queria e precisava saber onde o filme iria me levar. Ser conduzida pela narrativa como um todo é fascinante, e, depois de final, não tive dúvidas: Lamb era sobre luto, mas acima de tudo sobre pertencimento em meio ao caos criativo.  Recentemente tive a oportunidade de escolher um filme extremamente aleatório,

Autoria, referências, símbolos e o imaginário (NOPE)

Antes de "tentar" escrever sobre NOPE é preciso destacar algo relevante que pode ser um guia durante todo o filme: a expectativa. Aprendi um bucado com Spielberg, sempre Ele, quando assisti Cavalo de Guerra. Que decepção!!!! Saí atordoada do cinema com tamanho melodrama e o peso da mão na direção. Com NOPE podemos traçar o mesmo paralelo.  Jordan Peele presta diversas homenagens ao diretor e aqui a mão... A trama é simples e envolve o espectador pelas pistas e símbolos que Jordan explora aos poucos no decorrer da narrativa. Daniel Kaluuya , só olhe, que interpretação, nos apresenta um O.J. introspetivo e extremamente focado em não perder o rancho da família. Quando o pai falece ele tenta seguir em frente, porém, a irmã sempre o motiva de alguma forma. Personalidades distintas que se complementam. Outro personagem importante é Jupe, que foi ator mirim famoso e explora economicamente seu passado criando um parque temático voltado para eventos "surpreendentes", ao mes

Um longo caminho (AUTODECLARADO)

Qual é a função de um documentarista? Focar em uma temática e destrinchá-la ao máximo com questionamentos relevantes. É o que Maurício Costa, diretor de Era de Gigantes (2017) e Uber X Táxis  (2020), ambos documentários,  com estreias no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, faz em Autodeclarado. A temática central é a questão das cotas raciais, porém, outras subtramas surgem com maior potência.  A base e o que move o documentário são as cotas para o processo de cotas em Universidades Federais e Concursos Públicos. Um longo debate é proposto com personagens que envolvem o espectador. Um aspecto importante que sempre está presente no debate entre os personagens é se "ser considerado pardo" é pertencer realmente aos movimentos raciais. Uma pessoa parda teria mais dificuldades em ser considerada negra, pelos traços físicos, como cabelo e lábios. Maurício foca nesse aspecto com maior profundidade e faz o espectador refletir se quem é pardo sofre o mesmo preconceito que uma p

Saber conduzir é a chave (Pleasure)

Realmente vale de tudo pela fama? Jéssica, uma jovem de 20 anos, almeja ser atriz da indústria pornográfica. Dessa forma, entre os atos, o espectador acompanha a trajetória da protagonista submetendo-se ao mundo cruel que explora ao máximo o corpo das mulheres, mesmo que elas digam sim para vários trabalhos. Um dos pontos positivos do roteiro de Ninja Thyberg e Peter Modestij é a leveza ao explorar a amizade entre as coadjuvantes e a protagonista. Elas brincam e cantam como jovens de 20 e poucos anos, uma pena que a dupla não intensifique mais essa leveza que a narrativa necessita entre uma cena dramática e outra. Outro ponto positivo é não saber o passado de Jéssica. O foco é a intensa batalha da jovem para ser ao menos reconhecia dentre tantas. A direção de Ninja é certeira ao utilizar o poder do som abafado com a tela neutra deixando para o imaginário do espectador sentir as dores de Jéssica. Os enquadramentos que destacam o sufocamento da protagonista trazem o espectador para dentr

Robert e Eu: um longo caminho pela frente (O Homem do Norte)

Certos diretores provocam tantas inquietações que durante boa parte o filme o espectador reflete: " Que diabos estou assistindo?", "Lá vem um monólogo digno de atenção, daqueles que se você piscar perde algum detalhe importante para a narrativa como um todo!", "Que cena imersiva!". A direção de Robert Eggers me causa tamanha reflexão que por diversas vezes preciso voltar para o filme. Como assim? Explico: Existe tanto domínio e perfeccionismo nos filmes do diretor, que a técnica ao mesmo tempo que é provocativa, me causa estranheza. Não seria diferente com O Homem do Norte.  O filme Eggers parte de uma premissa simples envolvendo vingança. O príncipe Amlet observa com tamanho desespero à morte do pai pelos mãos do tio. O Rei Leão manda lembranças. O menino cresce alimentado pelo ódio. Como escravo, o protagonista retorna e provoca um realista banho de sangue. Já vimos esse roteiro antes e sabemos como termina. Será? Pelas mãos de Eggers, tudo fica tão in

Nunca a ficção foi tão real (@arthur.rambo- ódio nas redes)

O diretor Laurent Cantet possui um principal objetivocom @arthur.rambo- ódio nas redes: levantar questionamentos. Em praticamente todas as cenas, após o plot twist explorado no roteiro, a vida do protagonista vai do céu ao inferno em questão de segundos. Karim D. participa de entrevistas para divulgar o novo livro e todos o cobrem de elogios. O céu é o limite, por falar em limite, todos os questionamentos presentes no roteiro giram em torno do debate sobre os limites das redes sociais, especificamente o twitter. Após alguns eventos intensificados no roteiro, todos os amigos e familiares se afastam de Karim. A cada encontro com um coadjuvante, Laurent sabiamente envolve o espectador com indagações pertinentes e extremamente atuais: Sou a mesma pessoa de anos atrás? Penso de forma distinta? Como refazer uma imagem que já está estabelecida no imaginário dos leitores? Uma pessoa que foi fruto do meio pode mudar?Seus amigos são realmente amigos em todas as situações?E quando o abalo atinge

Tormenta do mar e da vida (Mar de Dentro)

  A tormenta do mar de Manuela começa quando a protagonista descobre uma gravidez inesperada. Com a carreira profissional em ascensão, um questionamento surge: ser ou não mãe? Após a decisão conjunta, Manuela e o parceiro decidem ter o bebê. A tormenta torna-se mais intensa quando uma tragédia interrompe os planos do casal. Mar de Dentro é um estudo de personagem sobre as angústias da maternidade e principalmente sobre sororidade. A licença  maternidade é um verdadeiro caos, onde Manuela precisa lidar com as dores do leite que não desce e quando finalmente consegue o sofrimento é tamanho que surge a indignação:" Oh, filho!". Uma subtrama importante são as coadjuvantes que auxiliam Manuela enquanto ela achava que poderia dar conta de tudo sozinha. O conflito de gerações também é explorado na figura da avó paterna que deseja ter o neto para si. Já próximo ao retorno do trabalho, três mães são exploradas: duas babás e a protagonista. A mais nova, fica com o bebê no período notur

Você pulou da poltrona?(Belfast)

Belfast é um filme tão lindo, mas tão lindo, que o espectador acaba por focar somente na estética e não consegue apreciar os demais elementos narrativos. O projeto semibiográfico de  Kenneth Branagh  é realizado com tamanha paixão que o diretor e roteirista apresenta domínio técnico em vários momentos, porém, o viés pessoal não é registrado pelas câmeras. Tudo está no devido lugar: diversidade de enquadramentos para expressar as angústias do pequeno Buddy; a mise-em-scène que reforça o isolamento de Ma; os closes nos avós ressaltando ao máximo o trabalho dos veteranos e a fotografia em preto e branco que deveria aproximar o espectador das emoções dos personagens. Tudo parece tão esquematizado que os sentimentos desaparecem por completo. Em uma cena emblemática a inocência do pequeno Buddy é perdida quando ele é inserido no confronto entre católicos e protestantes. O mesmo escudo que faz a imaginação do protagonista ir longe achando que brinca em uma batalha serve de proteção de pedras

Como esconder uma fruta podre? (A filha perdida)

O título do longa nos apresenta não somente o turbilhão de sentimentos que vive a protagonista perdida em devaneios passados, como também sugere, no bom sentido, o sentimento calcado na excelente interpretação um tanto quanto perdida de  Olivia Colman . Perdida no sentido de não saber exatamente como lidar com o peso das decisões tomadas no passado que à princípio faziam sentido para uma jovem que abdicou da carreira para cuidar das filhas pequenas. Perdida no espelho que é puro reflexo de uma jovem igualmente sufocada pela maternidade. Em determinado momento, quando Nina acredita que o sumiço da boneca da filha vai passar e a pequena irá focar em outros brinquedos, a experiência ligada ao sofrimento faz com que Leda prolongue os sentimentos da inexperiente mãe. É um turbilhão de sentimentos ver Leda intensificar a tal ponto o sofrimento de Nina que perto do desfecho a protagonista permanece anestesiada. Ela somente diz: "Foi por diversão!". Com uma pitada de vingança, Leda g

O viés religioso é apenas a ponta do iceberg (Benedetta)

Cruzada de pernas fatal, vítima que se vê atraída pelo agressor, máquina que possui sentimentos e mulher que realiza milagres. Essas são algumas temáticas que permeiam filmes do diretor  Paul Verhoeven . O que elas têm em comum? Polêmica. Desde sempre o diretor reforça esse aspecto como um ponto de referência em sua autoria. Por que em Benedetta seria diferente? O filme é repleto de cenas polêmicas envolvendo religião e sexualidade. Existe um certo exagero que beira o cômico em momentos significativos que pode afastar o espectador da narrativa, porém, o diretor consegue com todo domínio envolver por completo o público. Na trama Benedetta vive em um convento na Toscana e desde pequena fatos acontecem com a protagonista que a fazem compreender que possui uma conexão forte com o divino. O tempo passa e visões tornam-se constantes a tal ponto que Benedetta começa a apresentar as mesmas chagas de Cristo. Não demora muito para a protagonista ganhar um posto importante no convento gerando inv

Feridas cicatrizadas (Pig)

Se olharmos a filmografia de  Nicolas Cage  teremos a ascensão do astro com o Oscar de melhor ator por Despedida em Las Vegas e dentre outros longas surgem pérolas com o psicodélico Candy. No meio do caminho o ator também interpreta protagonistas introspectivos como em Pig. Quando o espectador acredita que Nicolas está no automático apresentando personagens de cunho duvidoso, o ator nos lembra que existe um excelente algo adormecido que precisa somente de um personagem bem escrito. Na trama de Pig, Nicolas interpreta Rob, um homem melancólico que prefere viver com sua porca isolado do mundo. Aos poucos conhecemos o arco do protagonista, porém, Rob é o tipo de personagem que quanto menos soubermos melhor e é esse o maior trunfo da narrativa. Só de olharmos para Rob sabemos que existe um turbilhão de emoções aguardando uma profunda imersão do espectador. Tudo o que precisamos saber é que Rob camufla sentimentos e com o desaparecimento do único elo afetivo, muito do que estava introspecti

Sobre luto, maternidade e pertencimento (Lamb)

  Lamb pode parecer visualmente estranho no primeiro momento, porém, nas entrelinhas, o longa é sobre como decidimos expurgar nosso sofrimento ao lidar com o luto. Na trama o casal que possui uma criação de ovelhas, se vê em choque com algo inusitado: uma delas acaba de ter Ada. Tudo beira à normalidade, se não fosse um detalhe: a pequena é metade animal, metade humano. Não demora muito para que o casal adote a pequena. O cunhado parece transparecer um pouco de racionalidade no ambiente familiar, pois ele é o único que compreende o quanto tudo é surreal. Ada dorme no berço perto da cama do casal, faz refeições em "família" e passeia com o pai em momentos ternos.  A protagonista Maria, nome muito propício, adota o ser como se fosse uma filha para preencher o vazio existencial após uma terrível perda. Claro que um amor não substitui o outro, mas o sentimento cresce pelo animal de tal forma que se aproxima do maternal. Maria acredita que é mãe novamente e o marido Ingvar a incen

Na Balança dos Opostos (Eduardo e Mônica)

O diretor René Sampaio afirma em coletiva que pretende realizar uma trilogia inspirada em músicas da banda Legião Urbana. O primeiro longa foi Faroeste Caboclo, de 2013. Agora René apresenta ao espectador o segundo filme, Eduardo e Mônica, que sofreu diversos atrasos no lançamento em decorrência da pandemia. A trama gira em torno do casal e foca principalmente nas divergências voltadas para a diferença de idade e personalidades opostas. Mônica possui um espírito livre e inquietante. Já Eduardo é introspectivo e sabe exatamente o que deseja. Mônica reluta ao máximo começar um relacionamento com o jovem, pois acredita que a diferença de idade pode afetar o relacionamento. Além da idade, a protagonista sabe que em algum momento a liberdade que tanto almeja irá afetar o relacionamento. O roteiro segue explorando ao máximo os opostos e como cada um lida com os obstáculos. É inegável que para um filme focado em um casal é preciso que os atores possuam química e em Eduardo e Mônica existe ent