Snoop corre certeiro em direção ao corpo caído na neve. Daniel entra em pânico, a sensação é de total desespero. Sim, sensação, pois o garoto, portador de deficiência visual, busca intensidade pelo toque. O corpo é de Samuel. Daniel grita pela mãe, Sandra, que liga imediatamente para a emergência. E, assim, o pesadelo da protagonista começa. Ela é a principal suspeita pela morte do marido.
O roteiro de Justine Triet propõe um jogo de pistas e não proporciona ao espectador todas as recompensas. Esse jogo ganha amplitude quando uma tríade participa ativamente do processo: Sandra, Daniel e o espectador. O trio observa o julgamento movido por emoções. Sandra precisa manter-se firme, apesar do turbilhão de sensações dentro de si; Daniel se vê divido entre as lembranças do pai e a dúvida sobre a inocência da mãe; já o espectador observa atento os eventos gerando um misto de emoções causados pela empatia presente na relação entre mãe e filho e, posteriormente, o distanciamento dos personagens. Sempre que uma prova é apresentada para ressaltar a inocência da protagonista, o outro lado intensifica com argumentos extremamente contudentes. À medida que o roteiro avança e a tensão aumenta, a tríade reforça os laços. Sentimos a dor do garoto que precisa ser adulto e o sofrimento avassalador reprimido pela mãe.
A dúvida plantada na mente do espectador torna a narrativa ainda mais envolvente. A imersão é provocada também pela direção segura de Triet, com planos que destacam a intensidade da interpretação de Sandra Hüller. Em um mundo paralelo, de premiações justas, a atriz seria ao menos indicada ao Oscar. Sandra trava um duelo constante entre a firmeza corporal e a intesidade no olhar. Quando o destaque é Daniel, o zoom in invade os pensamentos do garoto. O movimento da câmera ao acompanhar a audição do coadjuvante é um recado de Triet para o espectador: teremos o empenho total Milo Machado.
Interessante perceber como o figurino reflete diretamente o estado emocional dos personagens. Daniel surge com uma blusa vermelha intensa em momentos angustiantes. Quando está mergulhado na melancolia, o azul predomina. Sandra alterna cores frias, porém, quando ela descobre que será julgada, um lenço surge de forma sutil no pescoço, para salientar que a partir daquele momento, ela vai estar cada vez mais sufocada. O alívio momentâneo aparece em uma blusa branca e na retirada do lenço próximo ao desfecho.
Se o figurino reflete intensamente as emoções dos personagens, a trilha também exerce essa função. Daniel expressa seus sentimentos tocando piano. Quando o garoto precisa aceitar o luto pela morte do pai, ele toca de forma sensível, já próximo ao depoimento, a raiva ao dedilhar é tão intensa que o garoto agride instrumento musical que lhe proporcionou tranquilidade.
Justine nos presenteia com três rimas visuais profundas, de forma delicada e pontual. O filho busca o afeto da mãe em meio ao caos do julgamento. No desfecho, a mãe procura o aconchego do filho, na inversão de posições, agora, o filho abraça a mãe. Por reprimitir tantos sentimentos, Sandra também busca o mesmo gesto no fiel Snoop. Entre pistas e poucas recompensas ficamos com trocas de afeto.
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