Pular para o conteúdo principal

O Yn e Yang do Trio (Assassinos da Lua das Flores)


Assassinos da Lua da Flores exalta a todo momento o contraste entre o Yn e Yang presente no Ser Humano. Mollie Burkhart é uma mulher de semblante sereno, porém sua observação do mundo é tão cortante, que entra em erupção nos momentos de conflitos internos da personagem, quando o Yang surge certeiro. Já, o Rei, William Hale, é a combustão, o Yang move as ações do coadjuvante necessitando de uma faísca para explodir em ganância, aqui, o Yn surge como fachada. Agora, com Enerste Burkhart, os opostos duelam em cada cena buscando o equilíbrio entre duas famílias. O protagonista alcança o Yn, na família com Mollie, já o Yang, o impulsiona ao participar do genocídio da tribo Osage. Enerste nunca consegue atingir o equilíbrio, o laço sanguíneo o move de forma consciente, porém, o Yn está ali, mesmo que camuflado. Uma calma passageira atinge o personagem ao tentar fazer o que é certo, mesmo que o sentimento logo desapareça ao ser confrontado pela esposa.

Scorsese intensifica às raízes culturais da tribo Osage com rituais de passagem, o luto e uma família que tenta manter a estabilidade em meio ao caos. Na trama ambientada na década de 1920, os Osage enriquecem com o petróleo, que jorra das terras de Oklahoma, em uma cena pulsante dos membros da tribo dançando eufóricos, enquanto William comanda os negócios visando o poder da região. Quando alguns membros da tribo morrem de forma inexplicável, Tom White, um agente do FBI, chega para investigar os assassinatos. 

Os carros de época e planos aéreos destacam a riqueza da região e nos transportam para a década retratada. Um deleite para os olhos. E o que dizer dos figurinos? Cada detalhe intensifica a experiência do espectador na imersão da cultura indígena. Um cuidado que Scorsese faz questão de ressaltar mesmo com a eminência do domínio do "sangue branco", como a mãe de Mollie alerta em determinado momento.


Não há como negar que trabalhar na zona de conforto é mais seguro. Neste caso, Leonardo DiCaprio e Robert De Niro estão em casa. Ela é positiva, pois os atores conhecem Scorsese por anos facilitando o trabalho. É nítido que existe prazer e segurança ao ser dirigido pelo veterano. Quem ganha é o espectador com mais um trabalho primoroso de Robert e o amadurecimento constante de Leonardo. De Niro é a cabeça que comanda o genocídio da tribo Osage. O personagem não poupa ninguém que esteja no seu caminho. As pedras são pessoas assassinadas sem remorso. Se Robert apresenta William de forma objetiva, até o momento, não sei ao certo como decifrar Ernest. Mérito total de DiCaprio, que retorna da Guerra manipulado pelo tio e totalmente perdido na montanha-russa de afeto que sente por Mollie. Scorsese intensifica a confusão do protagonista com closes que perturbam o espectador. Mesmo com as atitudes do personagem o diretor nos aproxima e reforça a ambição de DiCaprio, ao mesmo tempo que a câmera mergulha lentamente na culpa de Ernest. Do outro lado, o silêncio que fere está no intenso trabalho de Lily Gladastone. O envolvimento do espectador com a personagem é fruto do trabalho contido da atriz. Questionamentos são levantados: Como Mollie não percebeu? O sentimento pode nos cegar à beira da morte? A dúvida nos consome aos poucos? Mesmo nas ações tardias, o trabalho da atriz faz o espectador permanecer firme com Mollie até o fim. 

No duelo entre Yn e Yang, o espectador observa o trio pelo olhar do diretor, que possui domínio em trabalhar com as emoções dos personagens. Não existe pressa ao retratar as nuances que permeiam o bem e o mal no íntimo do Ser Humano, aliás, esse domínio de Scorsese não seria o amor que Ele sente pelo cinema? Scorsese é movido pelo Yang, intensidade pura que pulsa na tela. Talvez Martim seja um dos últimos, da geração que surgiu no movimento Nova Hollywood, que nos toca com profundidade. O diretor estabelece como poucos o equilíbrio entre estética e emoção. O equilíbrio que falta para o trio em Assassinos na Lua das Flores, apesar da busca incessante pelo Yn e Yang. William, de forma perversa; Ernest,  em uma confusão sem fim. Talvez Mollie alcance o equilíbrio. Gostaria de acreditar. Talvez...



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Entretenimento de qualidade (Homem-Aranha no Aranhaverso)

Miles Morales é aquele adolescente típico que ao grafitar com o tio em um local abandonado é picado por uma aranha diferenciada. Após a picada, a vida do protagonista modifica completamente. O garoto precisa lidar com os novos poderes e outros que surgem no decorrer da animação. Tudo estava correndo tranquilamente na vida de Miles, somente a falta de diálogo com o pai o incomoda, muito pelo fato do pai querer que ele estude no melhor colégio e tudo que o protagonista deseja é estar imerso no bairro do Brookling. Um dos grandes destaques da animação e que cativa o espectador imediatamente é a cultura em que o personagem está inserido. A trilha sonora o acompanha constantemente, além de auxiliar no ritmo da animação. O primeiro ato é voltado para a introdução do protagonista no cotidiano escolar. Tudo no devido tempo e momentos certos para que o público sinta envolvimento com o novo Homem-Aranha. Além de Morales, outros heróis surgem para o ajudar a combater vilões que dificultam s...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...