Um dos filmes mais intrigantes que assisti na adolescência foi Amnésia, do Nolan. Lembro que escolhi em uma promoção de "leve cinco dvds e preencha a sua semana". Meus dias foram acompanhados de Kubrick, Vinterberg e Nolan. Amnésia me deixou impactada e ali percebi um traço importante na filmografia do diretor: o caos estético. Um caos preciso que você teria que rever para tentar compreender a narrativa como um todo. Foi o que fiz e parece que entendi o estudo de personagem proposto por Nolan.
Décadas após o meu primeiro contato, sempre que o diretor apresenta um projeto, me recordo da época boa em que minhas preocupações eram fórmulas de física e os devaneios dos filmes. Pois chegou o momento de Oppenheimer, a cinebiografia do físico que carregou o peso de comandar a equipe do Projeto Manhattan, criar a bomba atômica e "acabar" com a Segunda Guerra Mundial. A Guerra Fria já havia começado entre Estados Unidos e a Alemanha, no quesito construção da bomba, a tensão era constante, pois a equipe do físico sabia que do outro lado, os estudos também avançavam de forma ininterrupta.
Christopher Nolan apresenta uma narrativa de três horas e envolve o espectador na vida profissional e pessoal do protagonista. A primeira, nos instiga, já, a segunda, como entedia. O roteiro dedica boa parte ao arco da tensão profissional. O foco aqui são os estudos e, posteriormente, o julgamento das consequências geradas pelo terror do lançamento da bomba. Ser capa da revista Times é para poucos, Nolan reforça o ego do protagonista, mas ser o vilão também era inevitável, apesar da preocupação constante do protagonista. A dualidade e os conflitos internos perseguem Robert em cada cena. Uma pena que o roteiro evita retratar com a mesma intensidade as personagens femininas. Elas são exploradas somente pelo viés sexual, depressivo e alcoólico.
O caos estético move a narrativa, com destaque para a fotografia, trilha sonora e montagem. A tríade nos envolve de tal forma que somos literalmente a mente perturbada do protagonista. A trilha não deixa o espectador respirar gerando desconforto. A fotografia ressalta o close dos atores, o preto e branco destaca o arco dos coadjuvantes, especialmente, Robert Downey Jr , como Lewis Strauss e a câmera tremida é o caos do físico nos momentos mais angustiantes. A montagem nos remete a todo momento que estamos diante da autoria de Nolan, com idas e vindas, típicas do diretor. E Amnésia sempre retorna: "Ah, terei que rever para compreender (ou não) o que o diretor quer com todo o caos estético". Táticas de Nolan.
O elenco é o ponto forte da narrativa, o masculino, porque as atrizes são praticamente invisíveis. Emily Blunt e Florence Pugh não acrescentam na trama, apesar do esforço nítido. Já Cillian Murphy é de uma intensidade no olhar silencioso que grita de tamanha tensão, vale mencionar o comprometimento físico e postura em cena. Os pequenos gestos também reforçam a agonia do protagonista. No lado oposto, Robert é a inquietude em pessoa. O contraste dos personagens nos aproxima dos jogos políticos explorados no roteiro e proporciona ritmo ao longa.
Além de Amnésia, durante boa parte do filme, Terrence Malick surgia em meus pensamentos, talvez pela dupla, trilha e planos do universo, extremamente ligados ao sentimento do protagonista. É a marca registrada do diretor. O filme A Árvore da Vida explora o crescimento e o olhar do filho mais velho com relação ao pai, enquanto o universo expande estabelecendo uma ligação com o núcleo familiar de Brad Pitt. Porém, assim como Cillian, o retorno para a autoria caótica de Nolan ressoava em constantes estalos. Sim, quem diria que existe um pouquinho de Malick em Nolan?
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