Pular para o conteúdo principal

Deixe Ana respirar (Blonde)

O roteiro de Blonde utiliza em alguns momentos a narração em off, nos envolvendo em um fio de expectativas que Norma Jeane cria em relação ao pai. Nas últimas cartas, Ele escreve: " Queria muito te conhecer". Essa frase é emblemática, pois o espectador é o olhar paterno em diversas cenas. Passamos boa parte do tempo querendo conhecer a protagonista, porém o roteiro gira em círculos e não consegue sair do lugar. Vale destacar que o filme de Andrew Dominik é baseado na obra literária de Joyce Carol Oates, onde tudo em torno da vida de Marilyn é ficção e extremamente amplificado. Dominik intensifica ainda mais o que Monroe sofreu ao tentar encontrar dentro de si a pequena Norma que foi abandonada no orfanato ainda criança.

Além do roteiro não deixar o espectador respirar por focar somente em momentos trágicos, a fotografia é utilizada de forma aleatória. Em momentos dramáticos, ela ganha força em preto e branco, mas também ganha vida em cores quando Norma tenta se esforçar ao máximo para agradar o marido, Arthur Miller, vivido por Adrien Brody. Portanto, não existe uma referência ao utilizar os elementos narrativos. Tudo é extremamente jogado para que o espectador tente absorver o caos físico e mental da protagonista.

Pense em cada flash que é disparado para registar Marilyn. A quantidade de luz é ofuscada pelos cortes na edição, nos afastando cada vez mais da proposta do filme. Cada subtrama explorada transmite a sensação de ser um pequeno recorte da vida de Monroe. Andrew Dominik escolhe momentos intensos da protagonista, mas não avança nos questionamentos levantados resumindo uma figura tão emblemática a sombra de personagens masculinos. Tudo sempre retorna ao abandono, abusos e a falta do pai. Compreendo que seja um recorte da época, mas Norma Jean era muito mais do que a sensualidade vendida por Hollywood. Quando o diretor explora a sensualidade é de uma falta de empatia por Ana. A forma como Andrews filma a atriz na cena com o presidente, mesclando reflexões sobre como ela deveria estar naquela situação é de tamanha crueldade. Os pensamentos da protagonista tentam justificar:" É somente um pequeno filme pornô". Norma deveria ser retratada como Norma. Como mulher, não como um objeto. 

O destaque fica para a interpretação de Ana de Armas, que tenta apresentar nuances para a personagem mesmo que o roteiro não as explore. Ana sabe do tamanho e de tudo que Marilyn Monroe representava para o cinema. Ela sabe. Compreende. Tenta. Uma pena que Andrew utiliza diversos recursos narrativos sem propósito deixando Ana perdida tentando humanizá-la. O que Norma queria era respirar.... Assim como Ana. Deixe Ana respirar...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...