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Autoria, referências, símbolos e o imaginário (NOPE)


Antes de "tentar" escrever sobre NOPE é preciso destacar algo relevante que pode ser um guia durante todo o filme: a expectativa. Aprendi um bucado com Spielberg, sempre Ele, quando assisti Cavalo de Guerra. Que decepção!!!! Saí atordoada do cinema com tamanho melodrama e o peso da mão na direção. Com NOPE podemos traçar o mesmo paralelo. Jordan Peele presta diversas homenagens ao diretor e aqui a mão...

A trama é simples e envolve o espectador pelas pistas e símbolos que Jordan explora aos poucos no decorrer da narrativa. Daniel Kaluuya, só olhe, que interpretação, nos apresenta um O.J. introspetivo e extremamente focado em não perder o rancho da família. Quando o pai falece ele tenta seguir em frente, porém, a irmã sempre o motiva de alguma forma. Personalidades distintas que se complementam. Outro personagem importante é Jupe, que foi ator mirim famoso e explora economicamente seu passado criando um parque temático voltado para eventos "surpreendentes", ao mesmo tempo que não consegue superar um trauma vivido no set de filmagens. 
 

Analisando o terreno, o roteiro de Peele apresenta eventos complexos que O.J. conecta de alguma forma com à morte do pai. Existe também leveza em alguns personagens que surgem para elevar o tom crítico que permeia todo longa. Nessie aparece comendo e só. Precisava? NOPE! Mas são essas sutilezas que nos conectam com o filme. Todos os personagens giram em torno da busca pelo espetáculo e fama. Perceba que ao mesmo tempo que Emerald sente à morte do pai, ela almeja a fama ao tentar  registrar o fenômeno "Oprah", como ela mesmo define. Já O.J. foca em manter a família viva. Importante também situar o espectador em alguns momentos expositivos, mesmo que muitos símbolos não sejam revelados. Se bem que nada em um filme é por acaso. E aquele sapatinho? Eu tenho minha interpretação e a sua?

Jordan prende o espectador mostrando aos poucos o que devemos evitar, ou "não olhar", porém pesa a mão ao não proporcionar ritmo e sempre que pode corta cenas abrutamente para que o desfecho seja um grande espetáculo. Penso em Spielberg com Tubarão, quando sabemos que existe um perigo no mar. Não revelar é diferente de editar. Quando o Tubarão surge na tela, ele mata mesmo. Spielberg não corta, ele nos presenteia. Aqui Peele também mostra mas a edição vira a protagonista e interrompe constantemente o o envolvimento do espectador. Alguns podem se envolver por completo, comigo foi o efeito contrário.

NOPE nos brinda com críticas extremamente atuais. Vale tudo pela foto perfeita? Somos fruto do nosso passado, mas até que ponto ele nos prende por completo? Tudo na vida gira em torno de escolhas? O.J. decide não vender o rancho e tentar sobreviver, enquanto os demais o ajudam por não terem propósitos sólidos? Ser conhecido por alguns minutos? Além da crítica, o que realmente fica é a autoria. Spielberg é Spielberg, e esse aspecto fica muito claro no filme. A mensagem de Jordan é precisa: " É uma homenagem. Mas não  esqueça: o filme tem a minha assinatura!". Seria lindo se no dedo do chimpanzé tivesse uma luz e gotas de sangue. Um misto de homenagem com o autoral. Mas como o filme não é meu, a imagem é criada no imaginário.

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