Pular para o conteúdo principal

Como esconder uma fruta podre? (A filha perdida)


O título do longa nos apresenta não somente o turbilhão de sentimentos que vive a protagonista perdida em devaneios passados, como também sugere, no bom sentido, o sentimento calcado na excelente interpretação um tanto quanto perdida de Olivia Colman. Perdida no sentido de não saber exatamente como lidar com o peso das decisões tomadas no passado que à princípio faziam sentido para uma jovem que abdicou da carreira para cuidar das filhas pequenas. Perdida no espelho que é puro reflexo de uma jovem igualmente sufocada pela maternidade. Em determinado momento, quando Nina acredita que o sumiço da boneca da filha vai passar e a pequena irá focar em outros brinquedos, a experiência ligada ao sofrimento faz com que Leda prolongue os sentimentos da inexperiente mãe. É um turbilhão de sentimentos ver Leda intensificar a tal ponto o sofrimento de Nina que perto do desfecho a protagonista permanece anestesiada. Ela somente diz: "Foi por diversão!". Com uma pitada de vingança, Leda guarda a boneca para "cuidar" prontamente da filha reperando erros do passado enquanto aprecia de camarote o sofrimento de Nina. 

A filha perdida do título também se extende para a interpretação de Olivia que em meio a culpa por decisões passadas nos brinda com uma das melhores atuações de sua carreira. A atriz se perde e se encontra em instantes na mesma cena, seja fisicamente ou com o olhar, Olivia intensifica a presença cênica de Leda e nos envolve por completo nos sentimentos da protagonista. A atriz compreende as nunaces do roteiro e de maneira sarcástica tenta deslocar o personagem de Ed Harris ao mesmo tempo que conforta Nina por saber exatamente o que ela sente com relação a filha. Retornando ao passado, cabe a Jessie Buckley nos apresentar Leda jovem, com todas as dificuldades da maternidade. O sofrimento, as responsabilidades, oportunidades perdidas e decisões significativas. Jessie distingue de Olivia em vários aspectos, pois a atriz precisa carregar o peso da maternidade e transmite no olhar uma melancolia que nos faz compreender como as decisões tomadas ainda refletem em uma Olivia amargurada.  
 

A estreia de Maggie Gyllenhaal é segura e consegue em vários momentos intensificar a interpretação do trio sem carregar no melodrama. Os enquadramentos reforçam a angústia de Olivia e transmitem a sensação de peso pelas escolhas da maternidade. Em várias cenas Maggie opta por deixar a atriz sozinha com seus sentimentos e a câmera capta com sutileza o domímino de Olivia. Já a cena em que Leda jovem traí o marido é conduzida em um misto de sufocamento e aprisionamento, onde a câmera entrelaça os corpos de tal maneira que não conseguimentos apressiar o prazer momentâneo. É a liberdade da mãe carregada de culpa e sentimentos conflitantes. A filha perdida é um longa sobre o peso do passado, sobre camuflarmos sentimentos escondendo a parte podre da fruta, de ser o reflexo do outro e de ao menos tentar seguir em frente.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entretenimento de qualidade (Homem-Aranha no Aranhaverso)

Miles Morales é aquele adolescente típico que ao grafitar com o tio em um local abandonado é picado por uma aranha diferenciada. Após a picada, a vida do protagonista modifica completamente. O garoto precisa lidar com os novos poderes e outros que surgem no decorrer da animação. Tudo estava correndo tranquilamente na vida de Miles, somente a falta de diálogo com o pai o incomoda, muito pelo fato do pai querer que ele estude no melhor colégio e tudo que o protagonista deseja é estar imerso no bairro do Brookling. Um dos grandes destaques da animação e que cativa o espectador imediatamente é a cultura em que o personagem está inserido. A trilha sonora o acompanha constantemente, além de auxiliar no ritmo da animação. O primeiro ato é voltado para a introdução do protagonista no cotidiano escolar. Tudo no devido tempo e momentos certos para que o público sinta envolvimento com o novo Homem-Aranha. Além de Morales, outros heróis surgem para o ajudar a combater vilões que dificultam s

Um pouquinho de Malick (Oppenheimer)

Um dos filmes mais intrigantes que assisti na adolescência foi Amnésia, do Nolan. Lembro que escolhi em uma promoção de "leve cinco dvds e preencha a sua semana". Meus dias foram acompanhados de Kubrick, Vinterberg e Nolan. Amnésia me deixou impactada e ali  percebi um traço importante na filmografia do diretor: o caos estético. Um caos preciso que você teria que rever para tentar compreender a narrativa como um todo. Foi o que fiz e  parece que entendi o estudo de personagem proposto por Nolan.  Décadas após o meu primeiro contato, sempre que o diretor apresenta um projeto, me recordo da época boa em que minhas preocupações eram fórmulas de física e os devaneios dos filmes. Pois chegou o momento de Oppenheimer, a cinebiografia do físico que carregou o peso de comandar a equipe do Projeto Manhattan,  criar a bomba atômica e "acabar" com a Segunda Guerra Mundial. A Guerra Fria já havia começado entre Estados Unidos e a Alemanha, no quesito construção da bomba, a ten

Rambo deseja cavalgar sem destino (Rambo: Até o Fim)

Sylvester Stallone ainda é o tipo de ator em Hollywood que leva o público aos cinemas. Os tempos são outros e os serviços de streaming fazem o espectador pensar duas vezes antes de sair de casa para ver determinado filme. Mas com Stallone existe um fator além da força em torno do nome e que atualmente move a indústria: a nostalgia. Rambo carregava consigo traumas da Guerra do Vietnã e foi um sucesso de bilheteria. Os filmes de ação tomaram conta dos cinemas e consagraram de vez o ator no gênero. Quatro décadas após a estreia do primeiro filme, Stallone resgata o personagem em Rambo: Até o Fim. Na trama Rambo vive uma vida pacata no Arizona. Domar cavalos e auxiliar no trabalho da policial local é o que mantém Rambo longe de certos traumas do passado. Apesar de tomar remédios contralodos, a vida beira a rotina. O roteiro de Stallone prioriza o arco de Gabriela, uma jovem mexicana que foi abandona pelo pai e que vê no protagonista uma figura paterna. No momento em que Gabriela d