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O viés religioso é apenas a ponta do iceberg (Benedetta)


Cruzada de pernas fatal, vítima que se vê atraída pelo agressor, máquina que possui sentimentos e mulher que realiza milagres. Essas são algumas temáticas que permeiam filmes do diretor Paul Verhoeven. O que elas têm em comum? Polêmica. Desde sempre o diretor reforça esse aspecto como um ponto de referência em sua autoria. Por que em Benedetta seria diferente? O filme é repleto de cenas polêmicas envolvendo religião e sexualidade. Existe um certo exagero que beira o cômico em momentos significativos que pode afastar o espectador da narrativa, porém, o diretor consegue com todo domínio envolver por completo o público. Na trama Benedetta vive em um convento na Toscana e desde pequena fatos acontecem com a protagonista que a fazem compreender que possui uma conexão forte com o divino. O tempo passa e visões tornam-se constantes a tal ponto que Benedetta começa a apresentar as mesmas chagas de Cristo. Não demora muito para a protagonista ganhar um posto importante no convento gerando inveja e cobiça entre as demais freiras. Com a ascensão de Benedetta, Felicita começa a perceber uma oportunidade envolvendo não somente a imagem da protagonista como também o lucro em torno dela. Os atos seguem alternando entre visões da protagonista, o surgimento das chagas e a questão política ao explorar a imagem da provável santa. 

O roteiro de Paul Verhoeven apresenta em um crescente as visões de Benedetta. Do inocente gesto da personagem ao tocar o seio da Virgem Maria até literalmente fantasiar uma marturbação com o Divino, Paul apresenta os conflitos internos da protagonista alternando momentos tensos e romanticos. O ponto alto do roteiro é sempre instigar o espectador ao inserir a dúvida em torno dos atos de Benedetta. Seriam as chagas verdadeiras ou forjadas pelo objeto cortante que acompanha a protagonista em cenas emblemáticas? As dúvidas só aumentam com a presença marcante dos coadjuvantes,The Nuncio e Christina, que sempre colocaram em xeque as visões e marcas de Bendetta.

Outro aspecto que permeia toda a filmografia de Paul é o fato do diretor estar cercado por atores competentes que conseguem transmitir todos os pontos signifcativos presentes no roteiro. Aqui Virginie Efira empresta para Benedetta a alternância entre resiliência e fúria. A entrega da atriz é tamanha que as polêmicas são apenas um ponto à parte perante à interpretação de Efira. Algo que instiga ainda mais o espectador é o fato de Paul sempre ressaltar a dúvida nas ações da protagonista e é nesse aspecto que a interpretação da atriz cresce a cada cena. À medida que algumas freiras desconfiam de Benedetta, a protagonista apresenta serenidade ao afirmar que tudo é real. Vale destacar também a presença como coadjuvante clássica de Charlotte Rampling. Existe uma firmeza delicadamente marcante em Felicita que move peças significativas no roteiro em prol da ganância e poder. Digamos que a personagem é responsável pelo lado burocrático e por gerênciar toda a repercussão agravada pela visões de Benedetta. 

Paul não poupa ninguém e ressalta a estética para alcançar o ápice tanto em cenas eróticas quanto nas que exigem violência extrema. Ele quer chocar e sabe do domínio que tem ao conduzir a narrativa. Benedetta é um filme que destaca a força feminina com nuances. Essas nuances são representadas perfeitamente por Charlote que mesmo não acreditando em Benedetta e buscando um superior para testá-la, em determinado momento sabe que ela necessita de auxilio. Sendo verdade ou não, nem o tempo pode apagar a trajetória de uma freira que acreditou muito mais em sua força do que na conexão com o divino.   

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