Pular para o conteúdo principal

Feridas cicatrizadas (Pig)


Se olharmos a filmografia de Nicolas Cage teremos a ascensão do astro com o Oscar de melhor ator por Despedida em Las Vegas e dentre outros longas surgem pérolas com o psicodélico Candy. No meio do caminho o ator também interpreta protagonistas introspectivos como em Pig. Quando o espectador acredita que Nicolas está no automático apresentando personagens de cunho duvidoso, o ator nos lembra que existe um excelente algo adormecido que precisa somente de um personagem bem escrito. Na trama de Pig, Nicolas interpreta Rob, um homem melancólico que prefere viver com sua porca isolado do mundo. Aos poucos conhecemos o arco do protagonista, porém, Rob é o tipo de personagem que quanto menos soubermos melhor e é esse o maior trunfo da narrativa. Só de olharmos para Rob sabemos que existe um turbilhão de emoções aguardando uma profunda imersão do espectador. Tudo o que precisamos saber é que Rob camufla sentimentos e com o desaparecimento do único elo afetivo, muito do que estava introspectivo irá emergir. 

O sumiço do animal de Rob é somente a ponta do iceberg para que o espectador conheça um pouco mais o protagonista. Nicolas entrega pistas à medida que os coadjuvantes surgem e movem a trama. Os momentos mais intensos são com o jovem Amir que também vive um turbilhão de emoções reprimidas. O pano de fundo é encontrar o animal de estimação que desapareceu sem deixar rastro, porém no decorrer dos atos o espectador percorre caminhos tortuosos e intensos com a dupla para que feridas sejam cicatrizadas. Quantas vezes camuflamos sentimentos e jogamos toda a responsabilidade por nossas emoções no outro? Aqui o ponto de equilíbrio era a porca, o porto seguro de Rob. Na ausência do animal, tudo que estava abafado retorna com uma força transformadora. Aos poucos os sentimentos surgir de uma forma catártica respingando em todos.  
 

O diretor Michael Sarnoski explora ao máximo a entrega de Nicolas para o papel deixando o ator intensificar a introspecção de Rob. Sabemos com um close no olhar tudo o que o protagonista sente e tenta esconder. Os enquadramentos proporcionam a sensação de que a qualquer momento tudo pode transbordar. Outro elemento narrativo que dialoga perfeitamente com a fúria contida de Nicolas é a fotografia com paletas quentes. As cores fortes vibram em conjunto os conflitos internos de Rob. Já as paletas de cores frias acompanham de forma melancólica o jovem Amir. Michael apresenta uma narrativa onde o pano de fundo é a relação afetuosa do dono com o animal, porém, o que realmente move os personagens são os sentimentos reprimidos. Dores difíceis de superar, mas que aos poucos podem ser cicatrizadas. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Entretenimento de qualidade (Homem-Aranha no Aranhaverso)

Miles Morales é aquele adolescente típico que ao grafitar com o tio em um local abandonado é picado por uma aranha diferenciada. Após a picada, a vida do protagonista modifica completamente. O garoto precisa lidar com os novos poderes e outros que surgem no decorrer da animação. Tudo estava correndo tranquilamente na vida de Miles, somente a falta de diálogo com o pai o incomoda, muito pelo fato do pai querer que ele estude no melhor colégio e tudo que o protagonista deseja é estar imerso no bairro do Brookling. Um dos grandes destaques da animação e que cativa o espectador imediatamente é a cultura em que o personagem está inserido. A trilha sonora o acompanha constantemente, além de auxiliar no ritmo da animação. O primeiro ato é voltado para a introdução do protagonista no cotidiano escolar. Tudo no devido tempo e momentos certos para que o público sinta envolvimento com o novo Homem-Aranha. Além de Morales, outros heróis surgem para o ajudar a combater vilões que dificultam s...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...