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Um longo caminho (AUTODECLARADO)

Qual é a função de um documentarista? Focar em uma temática e destrinchá-la ao máximo com questionamentos relevantes. É o que Maurício Costa, diretor de Era de Gigantes (2017) e Uber X Táxis (2020), ambos documentários,  com estreias no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, faz em Autodeclarado. A temática central é a questão das cotas raciais, porém, outras subtramas surgem com maior potência. 

A base e o que move o documentário são as cotas para o processo de cotas em Universidades Federais e Concursos Públicos. Um longo debate é proposto com personagens que envolvem o espectador. Um aspecto importante que sempre está presente no debate entre os personagens é se "ser considerado pardo" é pertencer realmente aos movimentos raciais. Uma pessoa parda teria mais dificuldades em ser considerada negra, pelos traços físicos, como cabelo e lábios. Maurício foca nesse aspecto com maior profundidade e faz o espectador refletir se quem é pardo sofre o mesmo preconceito que uma pessoa negra. E o que as falam apontam é que existe um conflito interno sobre pertencimento, pois muitos pardos sofrem preconceito dentro de vários segmentos do movimento racial. Casos que param no justiça e que até o fechamento do documentário não foram resolvidos. A distinção não é feita na rua, quando policiais gritavam em alto e bom som, em uma festa, no entorno de Brasília:" Branco sai, Preto fica!", no excelente documentário de Adirley Queirós. Nessa hora não existe diferenças, todos sofrem com o preconceito.

Os personagens eriquecem o documentário, mas a narração e a montagem prejudicam o ritmo da narrativa como um todo. Até a metade, às fala são editadas deixando o espectador com a sensação de conhecer pouco dos entrevistados. Quando uma subtrama surge voltada para a estética do cabelo das mulheres negras, a montagem funciona melhor e sabemos um com maior profundidade sobre a importância da identidade de cada mulher e como ela se sente bem com determinado corte. Outro personagem extremamente forte é Frei Davi (EducaAfro), com uma vertente bem próxima de Malcolm X, voltada para o radicalismo. Maurício tenta buscar as duas pontas, algumas com olhares apaziguadores, outras com reflexões marcadas pelo cansaço de décadas de lutas. Ao chegar no desfecho temos a sensação de que ainda existe um longo caminho pela frente.


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