Com A Chegada e Blade Runner 2049, Denis Villeneuve surgia como forte candidato para dirigir Duna. Ao realizar filmes do gênero ficção científica, o diretor foi a escolha da Warner para adaptar o livro de Frank Herbert. Mas será que a escolha foi apropriada? Sim e Não. A Warner é conhecida por proporcionar liberdade para os diretores e em Duna a autoria de Villeneuve está em cada cena. O que é ótimo para quem é familiarizado com o peso da atmosfera criada pelo diretor. O lado positivo é termos um diretor autoral em um filme comercial. E o lado negativo é justamente a autoria que pode afastar boa parte do espectador podendo não sair do primeiro projeto. Infelizmente, cinema é um produto, se esse não gerar lucro, a sequência não ganha vida.
Adaptar Duna é extremamente complexo pela quantidade de personagens e todo o universo criado por Herbert. Villeneuve também é roteirista, o que demonstra o cuidado que o diretor teve com o filme como um todo. Domínio não somente na direção como na escrita. Por se tratar da parte 1 do projeto, Villeneuve foca em um roteiro expositivo nos atos, o recurso se faz necessário para ambientar o espectador no universo de Duna. Na trama Paul sonha e têm premunições com pessoas próximas, porém, Chani surge em vários momentos, sendo uma personagem significativa para a jornada do herói. Não estranhe se Star Wars surgir em seus pensamentos. Duna foi a obra base para a trilogia clássica de George Lucas. Aqui podemos comparar facilmente a jornada de Paul com a de um inquietante Jedi. Mas voltando para Duna, Paul sente que algo muito drástico está para acontecer e na metade do segundo ato, a jornada do herói começa. Duke Leto Atreides, pai de Paul, precisa ir para Duna para garantir o futuro da família e a sobrevivência do seu povo. A família de Paul é de Arrakis e com a ajuda de fiéis súditos, o jovem segue com o pai para Duna. Lady Jessica sente e prepara o filho para a jornada.' Como Villeneuve precisava focar nos personagens e no começo da jornada para situar o espectador no universo proposto, o roteiro não foca em batalhas e na ação propriamente dita. É o princípio de tudo e o diretor não tem pressa alguma em apresentar os personagens. O roteiro consegue explorar os personagens de forma equilibrada, onde cada um possui a devida importância. Alguns claramente possuem mais tempo de tela, o que é justificável por se tratar de uma provável trilogia. É o caso de Javier Bardem e Zendaya. Todo núcleo dos atores é reduzido, mas não deixa de ser primordial para a jornada de Paul. Lady Jessica ganha mais destaque e serve de amparo materno em meio ao caos.
Se existe um equilíbrio no roteiro de Villeneuve, o oposto é sentido na direção. A atmosfera de todos os filmes do diretor é densa e melancólica, o que casa com a atmosfera presente nos livros. O problema é que a autoria de Villeneuve torna a trajetória do protagonista extremamente densa, com o peso da câmera, a mão do diretor acaba por afastar o espectador da narrativa. A frieza tão característica e que funciona perfeitamente em A Chegada e Blade Runner 2049, aqui não envolve no primordial: a empatia pela jornada do herói. Quanto mais desafios o protagonista enfrenta mais densa a narrativa fica. O resultado é que, infelizmente, Villeneuve torna-se refém da autoria. Ao criar toda a atmosfera repleta de planos abertos para destacar a estética necessária para a ambientação do espectador, Villeneuve deixa o protagonista literalmente pequenino perante o todo. Claro que nos demais longas a jornada de Paul ganhará mais força, porém, nesta primeira parte, Paul não atrai o espectador por completo. Para tentar buscar o equilíbrio nas emoções dos personagens, o diretor explora o close e primeiro plano, porém, o equívoco não está totalmente na direção e ,sim, nas interpretações.
Os atores estão bem, com destaque para Rebecca Ferguson, como Lady Jessica. A atriz consegue conter as emoções e ao mesmo tempo que entrega todo o sofrimento da mãe ao saber que o filho precisa enfrentar obstáculos para amadurecer. Rebecca é a que melhor compreende a questão do intimismo e sofrimento. Todos os personagens possuem essa característica na dramaticidade, o que casa com a melancolia da atmosfera proposta por Villeneuve, mas afasta o espectador e não gera empatia pelos demais. O que mais sofre com a falta de compreensão do personagem é Timothée Chalamet. É extremamente complexo ser intimista ao mesmo tempo que o personagem não compreende o que está acontecendo. O equívoco é que o ator em momentos mais tensos não consegue equilibrar emoções de forma intimista. Assim, o principal conflito interno do protagonista chega ao espectador como se fosse algo a mais que o personagem precisa lidar e não como algo significativo para a jornada. Compreendo a construção do personagem de forma mais contida por estar perdido em seus sentimentos e na responsabilidade que lhe é proposta, porém, acredito que pela competência do jovem ator, outras nuances podem ser exploradas nos demais longas.
Na filmografia de Denis Villeneuve o cuidado com a trilha sonora é nítido para justamente criar a atmosfera, e, em Duna, a contribuição fica por conta de Hans Zimmer. Cada núcleo possui uma trilha, além de toda a referência desértica que acompanha a jornada de Paul. Mas o excesso do elemento narrativo prejudica em alguns momentos na imersão do espectador. Claro que o elemento guia e situa o público na narrativa, porém, o excesso que torna todo o trabalho de Zimmer tão épico, entra constantemente em conflito com a autoria de Villeneuve pesando por demais na narrativa. A mão densa do diretor e o excesso da trilha prejudicam o ritmo provocando cansaço no espectador. Não há como negar que Duna é o projeto mais complexo do diretor. É fundamental que a autoria tome conta do todo, que o diretor sinta a liberdade necessária para conseguir imprimir sua visão. Porém, em um mundo pós Marvel, com filmes de ritmo frenético é provável que Duna não ganhe uma continuação. A autoria tão importante para o projeto acabou sendo a principal vilã. A vilania de Stellan Skarsgard ficou pequenina perto da direção de Denis. E o que não falta para o vilão é presença. Precisamos de mais diretores autorais assinando projetos comerciais, porém, Duna é refém dessa autoria tão bem-vinda.
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