Um clássico deve ganhar uma continuação ou é melhor deixá-lo intacto na memória do espectador? Se a continuação preservar o respeito a obra original e ter a força de um diretor competente que imprima uma autoria impactante, a sequência ganha originalidade e não transparece apenas um conteúdo vazio para entretenimento visando somente os números da bilheteria. O clássico da ficção científica protagonizado por Harrison Ford merecia um diretor que proporcionasse para os fãs e uma nova geração a atmosfera de Blade Runner: O Caçador de Androides e a originalidade para imprimir uma experiência única para o espectador. Eis que Blade Runner 2049 consegue a cada frame envolver o público que cultua o clássico com o respeito devido pelo filme de 1982 e cativa novos fãs com um exemplar repleto de nostalgia nos pequenos detalhes.
Era necessário preservar a atmosfera do clássico e ambientar o espectador no universo de Blade Runner, porém, com um visual mais moderno. O respeito pelo filme de 1982 está em todas as cenas da sequência. O personagem K, interpretado por Ryan Gosling, nos transporta há trinta anos atrás, pois resgata muitos traços de Rick Deckard, inclusive por nutrir um sentimento pela bela Joi. Não somente a primeira camada da trama do protagonista nos remete ao passado, a estética do filme, mesmo com toda a tecnologia atual, nos envolve na suja e fria Los Angeles de 2019.
Preservado o aspecto primordial para a sequência, outro elemento narrativo que motiva e impulsiona uma continuação é um argumento sólido para o roteiro. Michael Green e Hampton Fancher conseguem desenvolver os arcos dos personagens de forma intrínseca, assim, cada um possui importancia fundamental para o desenrolar da trama. Cada aspecto íntimo dos coadjuvantes interferem na trajetória direta do protagonista. A partir do momento que o oficial K entra na casa de Sapper Morton, toda a trama se interliga. Durante o filme, o espectador observa a autoria de Denis Villeneuve presente ao dar vida para às palavras de Michael e Hampton. A longa duração característica dos filmes do diretor é sentida em alguns momentos, mas ao explorar peças fundamentais do roteiro não é sentida com tamanha intensidade pelo espectador. O ritmo é lento e proposital para que o público sinta e esteja inserido dentro da trama.
A fotografia de Roger Deakins realça a personalidade e os momentos filosóficos tão característicos do filme original, principalmente, no núcleo voltado para Harrison Ford e Jared Leto com cores mais quentes. Já o tom mais sombrio e escuro reforça a Los Angeles de 1982. O contraste interessante de luz e sombra entre os personagens evidencia a reflexão sobre o propósito de Niander Wallace na trama. A trilha sonora de Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch acompanha o espectador a todo o momento alternando a ação e drama dos personagens.
A atuação de Ryan Gosling transmite para o espectador uma dualidade necessária para o protagonista. A suavidade do olhar vai além dos "sentimentos" vividos por K. O destaque fica para a atriz Ana de Armas que demonstra o toque sedutor e angelical repleto de amorosidade de Joi. A química entre os atores move boa parte dos dois primeiros atos da trama. Sylvia Hoeks imprime força para Luv. A atriz interpreta com competência o que poderia ser o destaque mais vilanesco do filme.
Blade Runner 2049 consegue resgatar o sentimento de nostalgia pelo clássico de 1982. Mesmo que o filme se estenda mais do que o necessário, a estética marcante e autoria de Denis Velleneuve fazem da sequência um filme tão importante quanto o seu antecessor. A medida que o oficial K procura respostas, o espectador é envolvido em uma trama repleta de respeito pela aura do clássico e pela assinatura de uma obra marcante e original.
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