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Uma bela aura atemporal (A Chegada)


Um filme sobre invasão alienígena e relacionamentos. Sim, você já está familiarizado com a temática. Agora, nas mãos de um diretor extremamente autoral, a narrativa ganha outro viés. A Chegada pode apresentar ao espectador um enredo similar ao que vimos nos últimos anos. O que faz do filme ser um diferencial perante os demais que exploram o gênero de ficção científica e seres de outro planeta? Denis Vinelleuve

A narrativa é centrada na personagem de Louise Banks, doutora em linguística. A professora percebe na inquietação dos poucos alunos em sala de aula que algo atípico está acontecendo. Uma aluna lhe pede para ligar no noticiário. A protagonista, ainda confusa pelas informações veiculadas nos noticiários, já imagina o motivo da visita de Coronel Weber que lhe mostra um áudio preocupante. Diversas naves pairam sobre vários países. A tensão é constante e a professora com o auxilio do matemático Ian Donnelly tenta decifrar a linguagem presente no gestual e nos sons emitidos pelos alienígenas. 

Denis Vinelleuve transmite para o espectador uma atmosfera de suspense presente em uma espécie de neblina que não evidencia com nitidez os seres despertando a curiosidade e receio do público. Aos poucos a personagens de Amy Adams estabelece uma comunicação com os seres decifrando os símbolos que eles projetam na imensa parede de vidro que os separam. Gradativamente, a professora consegue se comunicar e a medida que conquista avanços tem algumas lembranças do seu relacionamento com a filha. Em cada contato, o roteirista Eric Heisserer equilibra o espectador com informações que não o distancia das tramas retratadas, ele consegue o efeito contrário: inserir ainda mais o público para dentro do drama vivido por Louise.  


A primeira reação do ser humano no contato com o desconhecido é a tensão que muitas vezes se transforma em violência. O paralelo que o roteiro traça entre a ambiguidade das reações é interessante de se observar ao longo da narrativa. Louise é puro fascínio perante o desconhecido e fica maravilhada com cada conquista e tentativa de comunicação estabelecida com os aliens. Já a comunicação entre os países é quase nula quando os progressos são mínimos e a pressão da população aumenta. O fascino da personagem é justificado pelo amor que sente presente nas lembranças da filha morta em decorrência de um câncer. Ian alerta a protagonista ressaltando o fato dela poder resignificar informações obtidas com experiências pessoais. As resignificações ficam intensas quando um contato mais físico de Louise é estabelecido com o alien.

Todos os elementos presentes em A Chegada auxiliam na tensão da atmosfera gerada ao longo da narrativa. A fotografia escura junto com o figurino utilizado pela protagonista evidenciam a ideia de luto pela morte da filha. As roupas sempre em tons azul escuro e bege ressaltam a tristeza constante da personagem. Quando o espectador tem contato com as lembranças do relacionamento entre mãe e filha, as cores são quentes expressando a aproximação e intensidade do amor entre elas. Ao focar no ambiente externo, o filme ganha a leveza necessária que proporciona ao espectador o alívio contrastando com a atmosfera de tensão sentida ao longo da trama. O verde da natureza, os brinquedos e o desenho são explorados de uma maneira extremamente singela e tocante aproximando-se da linguagem narrativa utilizada em A Árvore da Vida, de Malick. 

Outro ponto significativo e que torna a estrutura do filme interessante é a montagem de Joe Walker que faz o espectador ficar mais imerso na atmosfera densa e auxilia na intensidade da mensagem transmitida. Pense em o quanto esse aspecto foi importante para Amnésia, de Christopher Nolan. Aqui, podemos traçar este paralelo em termos de impacto na narrativa. Fundamental para entendermos aos poucos a conexão existente entre os aliens, Louise e as lembranças da filha. A montagem é o fio condutor sentimental do filme com o espectador. A temática de A Chegada nos remete a outro filme de Nolan, Interestelar. A grande diferença entre ambos é a forma objetiva de apresentar a história ao público. Para Vinelleuve não existem rodeios em forma de perguntas. Elas estão presentes, mas sempre auxiliam na andamento da trama. Diferente do filme de Nolan que explica pela milésia vez o buraco de minhoca. O que aproxima os dois filmes é a relação familiar extremamente forte dos protagonistas com as filhas.  

Acredito que seja um tanto quanto precoce colocar A Chegada no mesmo patamar de 2001 - Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, mas o filme de Villeneuve consegue um fato bem próximo do clássico de 1968: transmitir ao longo da narrativa uma bela aura atemporal. Poderá ser um clássico? Somente o tempo dirá.

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