Pular para o conteúdo principal

O desejo de morrer com dignidade (Mar Adentro)


O filme de Alejandro Amenábar gira em torno da decisão de Rámon em querer morrer após ter sofrido um acidente ao mergulhar no mar. O protagonista passou 28 anos tetraplégico lutando para que o seu desejo fosse finalmente atendido. Alejandro intensifica a relação familiar, "seu irmão mais velho" é taxativo ao afirmar : "Nessa casa não morre ninguém!". Além dos laços familiares, o protagonista também nutre sentimentos distintos por Rosa e Júlia.

A escolha de Javier Bardem para viver Rámon é um dos casos onde o ator cabe perfeitamente no personagem. Como o trabalho de Xavier é centrado no olhar, o ator brinca com os sentimentos do protagonista a cada cena. Em poucos momentos o ator utiliza o corpo por completo, o olhar repleto de dor e carisma é a base de todo o trabalho de Javier. Rámon transborda no olhar todo o sofrimento ao depender dos familiares. O humor também é a válvula de escape para que o ator ganhe a tela com um sorriso. Um sorriso acompanhado de um pesar que substituí o contato físico. O filme é a atuação de Javier, porém as mulheres que cercam o ator são igualmente competentes. Elas proporcionam sensibilidade para a temática. Diferentes tipos de amor surgem onde somente havia sofrimento na presença feminina.  


O roteiro também de Alejandro toca em temáticas difíceis para envolver o espectador. Cada personagem contribui para a narrativa de forma significativa. Rámon desejava a morte e esse desejo provoca a imersão do público em debates como religião, o poder do Estado e o livre arbítrio. Alejandro não deixa de explorar o passado do protagonista, mas o faz com o auxílio da edição de forma ágil e sensível utilizando a personagem de Júlia para criar laços afetivos. Alguns momentos de flashback surgem de forma excessiva na trama, mas de modo geral Alejandro sabe dosar passado e presente de maneira tocante entre os atos.

A direção de Alejandro ressalta ao máximo o close e o primeiro plano. O filme todo é praticamente se passa em um único cômodo e por esse motivo o foco é o trabalho dos atores. Poucos ângulos e enquadramentos são explorados. Somente os atores em cena se faz necessário para a câmera captar toda a emoção. Alejandro explora movimentos de câmera quando Javier não está em cena, mas logo o protagonista desperta para a prisão na cama. A razão de aspecto diz muito sobre o aprisionamento físico de Rámon. Aliás, todos os personagens de alguma maneira estão presos em determinado aspecto da vida. Outro elemento narrativo fundamental que surge pontualmente na narrativa é a trilha composta pelo diretor. Ela transmite a sensação de leveza e liberdade que Rámon tanto almeja, mesmo que signifique morrer com dignidade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...