Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente.
Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente?
O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um filme sobre Arthur Fleck, Lee e um musical. Mas e a "minha" Lady Gaga? É uma personagem, mais uma vez, com transtornos mentais, que não sabe cantar. A Lady Gaga que o espectador gostaria é fruto da imaginação de Arthur. Dizer que a atriz não cantar no dueto em que toca piano? Hum...sim, você teve a "sua" Lady Gaga, em dose homeopática.
Dizer também queo filme nega o primeiro? Imagino ser o oposto: o roteiro reforça ainda mais o que não vemos no primeiro, Todd nos entrega Arthur Fleck e como é viver em um local repleto de agressividade e violência. E o fascínio está na compreensão de Joaquin Phoenix em querer mostrar para o público o outro lado, o ser humano, que comenteu crimes e ressalta:" Estou cansado do Coringa, eu matei não cinco, mas seis pessoas, uma delas foi a minha mãe." Arthur sai do carro e corre sem rumo fugindo do Coringa para tentar resgatar Arthur, ou o pouco de humanidade que ainda lhe resta, ou melhor, a fantasia que lhe resta, ao finalmente sentir o que é gostar de alguém.
Além de Arthur tomar a narrativa para si, o roteiro expositivo cansa em alguns momentos, porém trazer coadjuvantes do primeiro filme não somente demonstra coerência, como também nos faz compreender um pouco mais dos traumas que Arthur sofreu na infância. Podemos destacar a importância do sofrimento da vizinha e teve que mudar de cidade pela pressão social, após um filme ser lançado e ter modificado a rotina dela. Arthur assina um livro, ou seja, não basta o protagonista matar o apresentador de um talk show é preciso lucrar ainda mais com tudo e transformar o julgamento em mais um espetáculo.
O que nos faz refletir na coerência entre os filmes? O ápice do Coringa é quando ele deixa Arthur e vira o centro das atenções, como no programa do primeiro longa. Novamente, a continuação nega o primeiro? Ou intensifica ainda mais a persona do Coringa? Ele está no comando, inclusive, quando vê Arlequina indo embora. A verdade é que sempre foi uma dupla no comando, Arthur e Coringa, sozinhos contra o mundo. Não, ele não é bonzinho e nada justifica os crimes cometidos, ele adora quando o CORINGA está no controle. Toddy também esteve no controle, não como resposta, mas com audácia tamanha em fazer um musical. Porém, assim como Lee e Arthur criaram um mundo paralelo, o espectador criou um filme que nunca existiu. Assim como o texto que aparenta ser uma crítica, porém são intensos devaneios de uma mente que insiste em refletir ao constatar o inevitável: se eu não escrever um texto que esteja alinhado ao pensamento da maioria, o que me resta são palavras ao vento.
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