Ford X Ferrari não gira em torno de uma premissa voltada para o automobilismo. O filme utiliza o esporte como pano de fundo para explorar a amizade e humanidade dos protagonistas baseada em fatos. Amigos que trocam tapas, mas que compartilham da mesma paixão : os carros. No começo a trama foca no desenvolvimento inicial do arco dos personagens ambientando o espectador sobre o que cada um representa. Matt Damon acaba de sair de uma consulta médica e o diagnóstico não poderia ser pior: um problema na válvula do coração, uma referência clara ao mundo automobilístico, o impede de pilotar. Christian Bale logo briga com um cliente que surge para concertar o carro. O temperamento do protagonista é apresentado e cativa o espectador. Já a parte empresarial fica por conta de Jon Bernthal e Josh Lucas. O dono da Ford precisa aumentar as vendas dos carros e enxerga no esporte uma maneira interessante de intercalar lucros com a imagem da empresa. Carroll é a razão voltada para a construção do carro de corrida que compete diretamente com a Ferrari e Ken é a emoção no volante guiando o carro nas pistas.
James Mangold seria um nome improvável para comandar o projeto, porém a versatilidade com que o diretor transita pelos gêneros poderia ser uma grata surpresa. O diretor apresenta um trabalho dinâmico que peca em alguns momentos pelo melodrama, mas que prende o espectador do começo ao fim. James explora ao máximo o close e o primeiro plano, principalmente nas cenas de corrida no interior do carro. O zoon in aparece em momentos significativos para os conflitos internos dos protagonistas e em reviravoltas propostas no roteiro. Em uma única cena podemos perceber o domínio do diretor ao acompanhar a movimentação dos personagens. Podemos analisar esse aspecto quando o roteiro fica expositivo. O caminhar dos personagens em cena provoca a imersão do espectador. Quando o personagem de Tracy Letts discursa para os funcionários o diretor propõe planos abertos e close alternando a dinâmica da cena. James somente peca ao explorar o melodrama em momentos específicos no arco de Ken tornando o filme cansativo, mas logo o ritmo é estabelecido novamente com as corridas.
Os elementos narrativos contribuem para o envolvimento do espectador no filme. O design de produção é discreto, mas surge em momentos pontuais na trama. Um outdoor, uma garrafa de refrigerante e os carros. Já a fotografia com paletas quentes aproxima o público dos conflitos internos dos protagonistas e aumenta a imersão quando Ken vai para a pista. Porém, dois elementos são os destaques no ritmo do longa: edição de som e trilha sonora. Nas cenas de corrida, a junção de ambos proporciona um ritmo acelerado (com o perdão do trocadilho) ao filme. Mesmo em momentos que poderiam causar uma queda no ritmo, como nas cenas em que Christian Bale modifica a mecânica do carro, a trilha aparece para intensificar a ação do personagem. A montagem surge como o combustível que proporciona emoção ao espectador alternando de maneira ágil as cenas voltadas para as corridas. O elemento narrativo estabelece um ritmo importante também em momentos expositivos presente no roteiro.
Como o roteiro explora o esporte como pano de fundo, se não houvesse química entre os protagonistas o filme perderia toda a força e sentido. Existe um equilíbrio bonito de ver na tela entre Ken e Carroll. O primeiro, intempestivo e digamos desprovido de beleza, com um jeito meio desengonçado de andar; o segundo, todo elegante e centrado, totalmente focado na questão burocrática dos negócios. Christian Bale apresenta o que já estamos acostumados em ver na carreira do ator: uma construção repleta de detalhes com certo exagero que ressalta a entrega para o personagem. Existe uma doçura no olhar ao conversar com o filho e esposa, sem deixar de lado a postura curvada de Ken. Não é a tona que o roteiro explora mais a dramaticidade e humanidade do protagonista. Cabe a Matt Damon a tarefa de apresentar um personagem mais introspectivo que pode parecer em um primeiro momento que existe falta de construção no personagem. Mas o que vemos é a compreensão total do ator em perceber que o trabalho de Christian é mais caricato e intenso combinando perfeitamente com a introspecção de Carroll. Josh Lucas é o vilão da trama, com um arco bem desenvolvido no roteiro. Cabe ao ator as decisões extratégicas da empresa. Ter um piloto feio e com uma postura física questionável arruinaria a imagem da Ford. O ator empresta um ar de superioridade e carrega no preconceito para mover as ações do personagem. O único arco que poderia ser descartado da trama é o de Joh Bernthal. Em um momento específico do roteiro Carroll convence o dono da Ford que o excesso da equipe está prejudicando o andamento por um carro mais potente. Esse aspecto pode ser visto no personagem de Joh. Tanto é que entre os atos o personagem simplesmente desaparece da trama. Podemos fazer uma analogia com as peças de um carro que precisa de todas funcionando em perfeita harmonia para que ele siga em frente. O mesmo acontece com Ford X Ferrari, o filme segue envolvendo o espectador porque os elementos narrativos movem de forma harmônica a trama.
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