Pular para o conteúdo principal

Muito além das garras de adamantium (Logan)


Qual a ligação entre o espectador e Hugh Jackman ao longo dos anos? A dedicação de dezessete anos por um personagem. O espectador acompanhou as transformações de Wolverine / Logan. Já o ator conseguiu adaptar essas transformações em um belo estudo de personagem com sofrimento e deixa o lado humano do mutante transbordar na tela. Hugh Jackman compreende que a vulnerabilidade do protagonista não está somente no trabalho físico, mas também no aspecto psicológico. Conclusão : o espectador sente uma intensa identificação com a dor e conflitos de Wolverine.

Logan apresenta para o espectador uma narrativa centrada no arco do trio de protagonistas. Patrick Stewart se despede de forma digna e intensa de professor Xavier. A pequena Laura quase não fala até o final do segundo ato, mas observamos a veracidade no olhar de uma mutante programada para matar. O trio possui um ponto em comum:  as fragilidades que a vida proporciona. Laura não tem uma figura forte em quem se espelhar. Xavier, com problemas resultantes da velhice, não consegue controlar seus poderes. Logan, ainda é um poço de "sensibilidade", mas que morre aos poucos em cada cena.


O primeiro ato envolve o espectador na vida cotidiana do protagonista. O mutante que lutava com garras de adamantium, agora, se contenta em ser motorista de limosine. Com alguns momentos de humor leve, entre um passageiro e outro, o personagem tenta viver tranquilamente na medida do possível. Em cada cena, o público percebe que Logan já não é mais o mesmo e também não faz a mínima questão de ser o mutante de dezessete anos atrás. Tudo muda com a chegada de Laura. Xavier ainda consegue de forma conturbada se comunicar com a garota. Após uma chamada para um serviço, a enfermeira Gabriela explica um pouco sobre a necessidade e a importância de levar Laura para o Canadá. O dinheiro fala mais alto e Logan aceita fazer a viagem.

A narrativa ganha um aspecto interessante de road movie. No percurso, o trio estreita os laços afetivos, ainda que de forma tímida. Em determinado momento, o protagonista alerta Laura do perigo que ela corre ao ficar muito próxima dele. Todos de alguma forma sofrem consequências drásticas. Como em todo road movie, os personagens se transformam. No decorrer da viagem, o trio faz uma pequena pausa para descansar na casa de uma família acolhedora. O significado de lar é projetado na figura do que poderia ser a realidade de um futuro distante dos personagens. As consequências são trágicas e a narrativa perde um pouco do ritmo que estava mantendo até a metade do segundo ato. A pausa para que os personagens tenham a sensação de acolhimento, justifica dentro do arco dramático do protagonista, mas não interliga com os restante da trama. O mesmo acontece com o personagem de Boyd Holbrook, sempre que Donald Pierce aparece, as cenas ganham um tom mais caricato que destoa da humanidade presente nos demais. O fato de Gabriela explicar como funcionam os procedimentos para o surgimento de novos soldados modificados geneticamente também prejudica o andamento da narrativa. 


No terceiro ato, Logan ainda mais debilitado demonstra toda a fragilidade do super-herói e o afeto pela pequena Laura. As cenas de ação são muito bem coreografadas durante todo o filme, perto do desfecho ganham uma aspecto intenso e o ritmo fica mais dinâmico, especialmente com a entrada de outros mutantes jovens. O tão esperado uniforme do mutante aparece somente de formas pontuais agradando os fãs de maneira sutil. A violência presente ao longo da trama também o coloca em outro patamar nos filmes do gênero. Não é uma violência gratuita e cabe perfeitamente no universo retratado presente no roteiro. 

Perto do desfecho de Logan, o espectador tem a certeza de que determinados personagens de histórias em quadrinhos podem ser profundos se o roteiro explorar um arco redondo e completo do protagonista. Wolverine foi um herói programado para matar, mas neste capítulo final, o púbico constata que além das garras de adamantium, Logan sempre foi um complexo ser humano.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...