Pular para o conteúdo principal

Três palavras marcantes: Little, Chiron e Black (Moonlight)



Moonlight: Sob a Luz do Luar é uma narrativa forte que mostra três períodos da vida de Chiron. Ao final do filme, o espectador tem a certeza que conhece profundamente o personagem. Nos tornamos íntimos do protagonista por compreendermos todo o sofrimento vivido ao longo dos anos pela imensidão que ele transborda no olhar. 

Na primeira cena o diretor Barry Jenkins ambienta o espectador e o mergulha para dentro da trama. O "pequeno" grande ator Alex R. Hibbert transmite todas as emoções e o começo de algumas inquietações que acompanham o protagonista durante o filme. O bullying que o personagem sofre na infância somente aumenta a introspecção do garoto. Ao chegar em casa, não encontra o amparo materno. Paula é viciada em crack e deixa o filho de lado no momento em que decide se entregar ao vício. A figura paterna encontrada no personagem de Juan será de fundamental importância para moldar a personalidade do pequeno menino quando adulto. Juan diz para o protagonista que homens negros quando estão sob a luz do luar ganham uma tonalidade azul. Essa fala nos remete durante os três atos ao trabalho detalhista da direção de arte. As portas da escola, as roupas dos personagens e o carro de Juan são tonalidades distintas da cor azul. O que também podemos perceber a importância da fotografia que diferencia momentos significativos da infância de Chiron. Quando o protagonista entra em casa, as cores são escuras focadas na presença marcante da mãe. Já quando o menino busca refúgio na casa de Paula, as cores são claras, uma metáfora significativa de acalento, aconchego e tranquilidade.


Na transição dos atos o diretor explora rimas visuais interessantes quando a câmera acompanha o andar do protagonista e no momento em que o espectador tem contato com o corpo deitado dos três atores que interpretam o personagem. Sempre um ambiente específico permeia as fases de Chiron em busca de uma personalidade ainda com conflitos internos ao chegar na vida adulta. A praia é o local onde o protagonista tem um diálogo expressivo com Juan. Onde quando adolescente, ele sente pela primeira vez a ternura e prazer com Kevin e após um longo período permite resgatar sentimentos adormecidos. É nesse ambiente repleto de significados que o espectador é também  inserido com profundidade para dentro do mar em uma tocante cena de Alex e Ali. Um contato único da figura paterna ao ensinar o pequeno garoto a nadar. 


Moonlight dificilmente seria uma narrativa tocante se não fosse a interpretação e a entrega intensa de todo o elenco. Naomie Harris é a personagem que mais destoa dos demais. Ela proporciona a Paula uma interpretação carregada e pesada. Se Paula é explosiva, Tereza, vivida por JanelleMonáe, nos entrega o instinto maternal. Mahershala Ali eleva Juan a um patamar que causa uma empatia instantânea no espectador. Alex, Ashton e Trevante conseguem transmitir uma sintonia no olhar do protagonista que provoca emoções no público. A profundidade e o sufocamento dos sentimentos do personagem estão interligadas com uma trilha sonora que permeia e é reflexo das fases vividas por Chiron.

O roteiro também realizado por Jenkins e adaptado da obra de Tarrel Alvin McCraney complementa a interpretação dos atores que interpretam Chiron. Não é preciso muitos diálogos para que o espectador compreenda a subjetividade mental do protagonista. No final do terceiro ato sabemos exatamente os anseios, desejos, conflitos e amadurecimento do personagem sem que ele necessariamente fale. A cena em que Kevin ressalta que Chiron somente balança a cabeça e expressa três palavras resume perfeitamente a personalidade do protagonista. Com uma única frase, o espectador é tocado de forma profunda e reflexiva. 

Moonlight: Sob a Luz do Luar é uma narrativa que prioriza o estudo de personagem de Chiron e que poderia ser um filme repleto de clichês. Um menino pobre, negro e gay que nas mãos competentes de Barry Jenkins faz o espectador mergulhar e conhecer profundamente os três momentos vividos pelo protagonista de forma poética sem apelos. Mais do que um filme, temos contato com Little, Chiron e Black de uma maneira intimista e dentro de uma couraça que nos transmite de uma forma tão particular a ternura, perturbação e generosidade. Com um protagonista quase monossilábico e que encontrava dificuldades ao se expressar com mais de três palavras, o espectador precisa igualmente de três palavras marcantes para recordar ao final de 2017, um dos filmes mais sensíveis do ano: "Little, Chiron e Black".








Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entretenimento de qualidade (Homem-Aranha no Aranhaverso)

Miles Morales é aquele adolescente típico que ao grafitar com o tio em um local abandonado é picado por uma aranha diferenciada. Após a picada, a vida do protagonista modifica completamente. O garoto precisa lidar com os novos poderes e outros que surgem no decorrer da animação. Tudo estava correndo tranquilamente na vida de Miles, somente a falta de diálogo com o pai o incomoda, muito pelo fato do pai querer que ele estude no melhor colégio e tudo que o protagonista deseja é estar imerso no bairro do Brookling. Um dos grandes destaques da animação e que cativa o espectador imediatamente é a cultura em que o personagem está inserido. A trilha sonora o acompanha constantemente, além de auxiliar no ritmo da animação. O primeiro ato é voltado para a introdução do protagonista no cotidiano escolar. Tudo no devido tempo e momentos certos para que o público sinta envolvimento com o novo Homem-Aranha. Além de Morales, outros heróis surgem para o ajudar a combater vilões que dificultam s

Um pouquinho de Malick (Oppenheimer)

Um dos filmes mais intrigantes que assisti na adolescência foi Amnésia, do Nolan. Lembro que escolhi em uma promoção de "leve cinco dvds e preencha a sua semana". Meus dias foram acompanhados de Kubrick, Vinterberg e Nolan. Amnésia me deixou impactada e ali  percebi um traço importante na filmografia do diretor: o caos estético. Um caos preciso que você teria que rever para tentar compreender a narrativa como um todo. Foi o que fiz e  parece que entendi o estudo de personagem proposto por Nolan.  Décadas após o meu primeiro contato, sempre que o diretor apresenta um projeto, me recordo da época boa em que minhas preocupações eram fórmulas de física e os devaneios dos filmes. Pois chegou o momento de Oppenheimer, a cinebiografia do físico que carregou o peso de comandar a equipe do Projeto Manhattan,  criar a bomba atômica e "acabar" com a Segunda Guerra Mundial. A Guerra Fria já havia começado entre Estados Unidos e a Alemanha, no quesito construção da bomba, a ten

Rambo deseja cavalgar sem destino (Rambo: Até o Fim)

Sylvester Stallone ainda é o tipo de ator em Hollywood que leva o público aos cinemas. Os tempos são outros e os serviços de streaming fazem o espectador pensar duas vezes antes de sair de casa para ver determinado filme. Mas com Stallone existe um fator além da força em torno do nome e que atualmente move a indústria: a nostalgia. Rambo carregava consigo traumas da Guerra do Vietnã e foi um sucesso de bilheteria. Os filmes de ação tomaram conta dos cinemas e consagraram de vez o ator no gênero. Quatro décadas após a estreia do primeiro filme, Stallone resgata o personagem em Rambo: Até o Fim. Na trama Rambo vive uma vida pacata no Arizona. Domar cavalos e auxiliar no trabalho da policial local é o que mantém Rambo longe de certos traumas do passado. Apesar de tomar remédios contralodos, a vida beira a rotina. O roteiro de Stallone prioriza o arco de Gabriela, uma jovem mexicana que foi abandona pelo pai e que vê no protagonista uma figura paterna. No momento em que Gabriela d