Pular para o conteúdo principal

Opostos que se complementam (Green Book - O Guia)



Green Book é um filme de opostos. Opostos que favorecem a narrativa. Viggo Mortensen é Tony Lip, um pai de família italiana que trabalha como segurança em uma casa de shows modesta. Quando Copacabana fecha o protagonista começa a procurar emprego. Do lado oposto, Mahershala Ali vive Don, um músico famoso que pretende tocar no Sul dos Estados Unidos. O filme gira em torno dos dois personagens. Tony e Don. Viggo e Mahershala. Opostos que envolvem o espectador durante os atos.

Como Green Book é um Road Movie, o longa passa boa parte focada no carro. Alguns elementos narrativos são destaque e fazem a trama ter um ritmo constante. A trilha sonora é a protagonista que embala o relacionamento dos personagens. Entre uma cidade e outra, a música sempre se faz presente, seja nas apresentações de Don ou em momentos mais densos onde o racismo é evidente. O posicionamento dos atores nas cenas dialoga perfeitamente com as transformações sofridas por ambos. Nas primeiras conversas de Tony e Don, o músico está sentado atrás de Tony. O posicionamento demonstra claramente o distanciamento dos personagens. Assim que o relacionamento dos protagonistas fica mais intenso, Don troca de lugar no carro e a troca de olhares entre os personagens fica mais direta, não somente pelo retrovisor. Outro elemento narrativo que auxilia no envolvimento do espectador ao acompanhar o surgimento da amizade entre os protagonistas é a montagem. Com um  ritmo leve, o público contempla os acontecimentos densos e cômicos da trama. 

Além dos elementos narrativos, o que reforça ainda mais os opostos é a interpretação da dupla. Viggo Mortensen proporciona para Tony uma caricatura do homem expansivo e sem modos. O italiano típico no sotaque e gestual. Mahershala é introspectivo e reservado ao compor Don. Todas as situações que o protagonista passa o ator transmite nuances intensas para o músico. Um filme de elenco que faz a trama obter a força necessária para envolver o espectador. Apesar de ser um filme voltado para o clichê das transformações pessoais dos personagens, a química entre os atores torna a trama prazerosa. O tom cômico de Viggo transmite uma aura leve e a introspecção de Mahershala intensifica a temática racial de Green Book. Opostos que se atraem em prol da narrativa. 


Os opostos continuam na trama pela direção de Petter Farelly. Conhecido por filmes voltados para a comédia, o diretor consegue dosar os gêneros em Green Book. O tom cômico permeia toda a trama sem deixar de lado a intensidade dramática nos momentos em que o preconceito racial é evidente. A previsibilidade do roteiro não ofusca o trabalho de Farelly que mantém o ritmo e interesse do espectador pelo equilíbrio presente no humor de Viggo e drama de Mahershala. Alguns movimentos de câmera como o zoon in explorado em vários momentos dramáticos casado com a trilha sonora reforçam o clichê. Nada que prejudique a narrativa como um todo.

Green Book é um filme de opostos que explora o envolvimento do espectador entre os atos. Mesmo compreendendo a previsibilidade da trama, Viggo e Mahershala entregam personagens com arcos complexos e intensos. Os opostos entre os protagonistas impulsiam o filme. Compreender a complexidade da dupla e a transformação de ambos é fundamental para que o clichê existente na relação permaneça em segundo plano. Um filme que tem como base os opostos que se complementam de forma leve e tocante.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...