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Um suspense na superfície (A Mulher na Janela)


A Mulher na Janela é um suspense repleto de boas intenções. Aqui, todas são desperdiçadas, ou melhor, quase todas, pois Amy Adams faz o que pode com Anna Fox, uma psicóloga infantil, que sofre de agorafobia. Por conta do transtorno, a protagonista, entre uma garrafa e outra de vinho, observa a família Russell, que acabou de mudar para o outro lado da rua. O roteiro explora o que Anna observa e ao mesmo tempo instiga o espectador a refletir se tudo não passa de fruto da sua imaginação. A primeira boa intenção que se perde no decorrer da narrativa é a do roteirista Tracy Letts, que no primeiro ato consegue envolver o espectador, porém, nos demais adiciona soluções fáceis e desperdiça o talento de um grande elenco ao não explorar as camadas dos coadjuvantes. Às homenagens são claras ao mestre do suspense Alfred Hitchcock que também são desperdiçadas com cortes abruptos na montagem. O fato de o espectador ser os olhos de Anna poderia ser uma motivação e tanto para intensificar a atmosfera de suspense, mas Tracy opta por simplificar e apressar conclusões de subtramas importantes, como o arco de Brian Tyree Henry que surge em momentos pontuais totalmente perdido. E, assim, o roteiro atropela todas as chances de criar um bom suspense. Sem falar nos flashbacks que deveríam aprofundar a trama voltada para o arco de Anna, mas também afastam o espectador por completo, pois são explorados em meio ao emaranhado das subtramas soltas dos coadjuvantes.

Os atores fazem o que podem com a confusão do roteiro. Gary Oldman é um coadjuvante de luxo que poderia auxiliar na atmosfera tensa que envolve a família Russell, mas o que temos é um ator grisalho que surge para "ameaçar" Anna. Ameaças vazias que nunca são concretizadas. O verbo surgir serve de mantra para os atores. Em uma ponta Julianne Moore também surge e deixa o espectador com indagações que são explicadas em poucas frases. Da mesma forma abrupta que Jane entra no apartamento de Anna, a personagem é retirada da trama sem preparo algum. Na outra ponta, com uma filmografia ainda no começo, Fred Hechinger ganha um destaque aquém de seu talento. As nuances de Ethan não alcançam o suspense necessário e o ator se perde na caricatura do jovem perturbado. Quem realmente atinge todas as camadas necessárias Amy Adams que abraça a complexidade da protagonista e consegue envolver o espectador. A atriz intensifica a tensão e nos faz refletir sobre o que é real ou imaginação. 

Outro que realmente está repleto de boas intenções é o diretor Joe Wright. Não há como negar que o diretor possui domínio com a câmera nas mãos. O grande problema é simular ângulos e planos próximos aos de Hitchcock. Joe tenta criar uma atmosfera de tensão e torna-se refém dos clássicos do mestre. Se o diretor deixasse a autoria falar mais alto, às homenagens não seriam pontas soltas. Em determinados momentos a montagem abrupta só prejudica ainda mais às intenções do diretor. Por falar em montagem, esse elemento narrativo não entra no quesito da intensão, até porque ela é a que mais contribuí para os ruídos do longa. Conclusão: uma montagem que só evidência ainda mais os equívocos do roteiro. Duplo tiro no pé que prejudica demais o ritmo da narrativa. 

A Mulher na Janela possue algumas intenções certeiras: Amy está muito bem; Julianne causa frescor em um breve momento e Joe tenta imprimir segurança. O problema é que são boas intenções que se perdem no ruído dos demais elementos. Trilha deslocada que causa justamente o efeito contrário ao do suspense, um roteiro que aposta em personagens raros e subtramas que não são desenvolvidas por completo. O que poderia ser um ótimo suspense escorrega e cai feio na própria armadilha: a homenagem. O que faz do longa um suspense na superfície.




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