Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto.
E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciava tanto, não precisava contar com o destino para colaborar com tamanha exatidão. Mas o ritual permanecia: o prazer de assistir pelos olhos do autor, ainda estava ali. Filme completo, mas aquela cena... Vou rever. Não tenho dúvidas: eu quebrei ou arranhei um DVD. E o prazer do funcionário da locadora diminuia consideravelmente, afinal, com a fita VHS, eu conseguia sentir a frustação dele ao lamentar:" Ok, você rebobinou a fita!". Agora, com o DVD, o brilho no olhar deu lugar ao ato de trocar os filmes e colocar em caixinhas distintas. O Plástico vazio? Era um sorriso do tamanho do mundo. Alguns rituais não mudaram com o tempo. O prazer da punição só mudou de formato.
Com os serviços de streaming, que são muito próximos dos canais de tv pagos, o consumo mudou novamente. Atualmente, as cenas podem ser "apreciadas" em cortes, de 30 segundos, no tik tok. Precisava de tantas vírgulas? Pensamento fragmentado. E o filme? Quatro horas de duração, com uma interrupção forçada...fita dupla que fala, né? Não existe certo ou errado em consumir entretenimento. Somos fruto de nosso tempo. Um mundo ansioso e ávido por quantidade, que em doses homeopáticas, talvez podemos sentar e tentar assistir algum produto por completo. E, no final, você ainda fica com aquela sensação de exaustão.
Uma tentativa das redes de cinema é aproximar o público jovem dos clássicos. O mais recente foi a comemoração de Seven. Eu assisti três vezes, mas as salas permanecem vazias. Detalhe importante: na mesa ao lado, três pessoas comentam como os doramas fazem "passar o tempo" e como elas podem controlar quando e como assistir. Uma delas ressalta:" Eu vejo novelas...na Globoplay". Seria o destino? Não, somente a mais pura realidade. Outro pensamento fragmentado. Também não seria fruto do tempo?
Qual o futuro do cinema? Tentativas ressurgem. Seven, um clássico? Me parece mais uma tentativa de resgatar um público cativado pela nostalgia. Tudo bem que assistir três vezes é um ponto fora da curva. Eu não entraria para alguma estatística. Mas realmente não sei o que nos aguarda. Você poderia perguntar: e os atendentes de locadora? Provavelmente estão trabalhando em serviços burocráticos, talvez com um sorriso aqui e ali, porém, a empolgação em ver clientes pagando taxas por não devolverem, VHS ou DVDS, na data limite, esse prazer, literalmente ficou no passado.
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