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Era para ser engraçado? (Os Mortos não Morrem)


Logo no primeiro ato a presença de Iggy Pop soa como um alerta para o espectador: o filme de Jim Jarmusch tem tudo para ser uma sátira, no mínimo, interessante. Porém, o que acontece é justamente o oposto. Na trama uma pequena cidade sofre com abalos climáticos e mortos começam a sair das sepulturas em forma de zumbies. Os seres são lentos dialogando com o ritmo predominante no longa. Nomes de peso estão à frente do elenco o que realmente não contribui em nada na narrativa por conta do péssimo roteiro. O foco é brincar com a sátira existente na temática e explorar ao máximo a passividade dos personagens. A única que esboça alguma reação e mesmo assim mantém o tom equivocado é a personagem de Choë Sevigny que possui falas repetidas no decorrer dos atos. À medida que os personagens descobrem o que realmente está acontecendo,pela simples dedução de Ronald, fica cada vez mais complicado de criar envolvimento com o espectador. 

O destaque fica por conta de Caleb Landry Jones , o único que causa certa empatia no espectador. Os demais personagens apenas apresentam piadas repetitivas, o que em um primeiro momento gera sorrisos no público, mas após a terceira tentativa martelando na mesma tecla, a comicidade soa desnecessária. Os personagens seguem o padrão dos atores ou simplesmente da previsibilidade. A trama foca somente em um momento específico e na reação de cada um ao apocalipse zumbie. Neste caso, a intensão realmente é pouco ou nenhum aprofundamento do arco dos personagens. O problema é o roteiro ter como base somente as piadas que afastam ainda mais o espectador da trama. A presença do trio de jovens que fica hospedado no hotel serve somente para Ronald fazer referência aos mexicanos. O outro trio de jovens apenas reflete e especula sobre o acontecimento que move a pequena cidade. E sem contar que Bill Murray não está totalmente perdido porque consegue ser Bill Murray em praticamente todas as cenas. A presença do ator motiva o espectador para tentar chegar até o final do terceiro ato. E, assim, os personagens somente reagem de forma passiva aos acontecimentos propostos no roteiro. 


Como um diretor tão talentoso consegue afastar tanto o espectador da narrativa? A proposta de Jim é clara desde o primeiro momento, porém, nenhum elemento narrativo contribui para causar empatia no espectador. O afastamento com a obra é imediato muito pela condução e ritmo propostos. As reviravoltas são sentidas com total passividade, principalmente pelo personagem de Adam Driver, o que claramente era para gerar comicidade, mas o oposto toma conta do filme como um todo na postura de Ronald. Todos os personagens parecem não se importar muito com apocalipse zumbie e entre um ato e outro as piadas não surtem efeito. O problema maior é que Jim escolhe e segue com a comicidade como motivador para impulsionar a trama, o que só piora ainda mais a falta de coesão. O ritmo é extremamente prejudicial e mesclado com a falta de pulso de Jim ao conduzir a narrativa resta para o espectador somente aguardar o término do filme que tinha tudo para ser uma interessante homenagem ao gênero. O questionamento que fica é: Era para ser engraçado? 

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