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A vida como ela é (Paterson)



Paterson é um filme que explora o cotidiano de um jovem casal mergulhado na rotina. Essa rotina poderia tornar o filme enfadonho, mas o diretor Jim Jarmusch consegue elevar a trama de forma poética e repleta de aproximação com o espectador. Acompanhamos uma semana na vida de Paterson que para fugir das frustrações de um trabalho metódico,  alimenta o desejo de ser poeta. Todos os elementos que estão ao seu redor servem de inspiração para a escrita. O encontro casual com uma garota que compartilha as mesmas pretensões artísticas, um cantor que esboça uma música esperando a roupa lavar ou a esposa Laura que vive sem um rumo certo na vida.

O diretor envolve o espectador com cenas repetidas, mas que se encaixam perfeitamente no cotidiano do protagonista. Repetir um ritual de passear com o cachorro e sempre tomar a mesma bebida no mesmo bar. Olhar no relógio enquanto dirige para ver se a hora passa mais depressa. Deixar de realizar sonhos para ver a felicidade da pessoa que compartilha a vida. Ter um momento para se desligar da realidade e ir ao cinema ou mergulhar na escrita. As cenas se repetem como se fossem o reflexo do cotidiano. O que poderia ser extremamente monótono de acompanhar torna-se prazeroso, pois Jim Jarmusch sempre acrescenta um personagem interessante que complementa as cenas e enriquece o roteiro.


Outra questão que transforma o cotidiano retratado na tela é a leveza com que os fatos acontecem e podem modificar a forma como enxergamos a vida. Nosso olhar pode estar treinado para viver sempre a mesma história, ou tirar dela inspiração e proporcionar sentido para a vida. Paterson mescla o cotidiano como motorista de ônibus, com as conversar corriqueiras dos passageiros, momento em que se permite rir da vida alheia. O destaque da trama fica por conta do animal de estimação do casal. O protagonista tenta esboçar simpatia pelo animal, numa tentativa de satisfazer a esposa. Os momentos de quebra da rotina estão na interação do personagem com o animal, a troca de olhares dos dois transmite uma veia cômica para a trama.

Quando o trabalho do ator ganha a tela, não conseguimos imaginar outra pessoa interpretando Paterson. Adam Driver exerce um poder sobre o protagonista que dificilmente outro ator realizaria. Adam Driver está para Paterson, assim como Paterson está para Adam Driver. A maneira como o ator compõe o personagem é de uma riqueza e extremamente tocante. A melancolia do protagonista toma conta do olhar e físico do ator. Transmitir o cotidiano e não dar uma interpretação monótona para  Paterson é um desafio para o ator. Adam consegue causar uma empatia instantânea no espectador. O estudo do personagem que o filme proporciona cresce com a interpretação contida de Adam. O protagonista se permite rir em algumas situações, mas o conformismo logo o faz retrair de volta ao cotidiano.

Paterson é uma narrativa que aproxima o espectador por ser realista ao abordar o cotidiano do protagonista. Podemos nos anular para vivermos e nos contentarmos com a felicidade de nosso companheiro (a), ou buscar refúgio da fuga do cotidiano em algo que nos proporciona prazer, mesmo que seja momentâneo. Jim Jarmusch tem a sensibilidade ao retratar cenas cotidianas intensificadas com um roteiro poético e trilha sonora suave. Paterson é o incômodo e ao mesmo tempo verdadeiro retrato de mostrar ao espectador a vida como ela é. 


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