O primeiro ato de Corações Famintos é enganador e ainda bem que ele proporciona um certo alívio no começo da trama para o espectador. Após o início bem próximo ao estilo comédia romântica independente vem uma avalanche de caos e tormento, tanto para o público, quanto para os protagonistas. O duelo e o aprisionamento dos protagonistas movem a trama.
Jude e Mina se esbarram em um restaurante de forma inusitada: ambos estão trancados no banheiro e Jude acabou de passar mal. Literalmente sem ar, Mina precisa dividir o mesmo espaço que Jude, e assim, nas demais cenas, o espectador já sabe o que irá acontecer de fato. Apaixonados, os protagonistas se casam e não tarda para que Mina engravide. Após a chegada do bebê, um instinto de proteção toma conta da protagonista e o que era amor acaba por se transformar em paranóia. O excesso de "zelo" com a criança a deixa desnutrida e aos poucos o filho não consegue crescer devidamente. Começa uma verdadeira luta do protagonista ameaçado constantemente pela mulher por simplesmente desejar salvar o filho do "amor" da mãe.
O filme poderia tomar um rumo repleto de clichês, mas o que se tem em tela é uma gradação de suspense e terror psicológico da melhor qualidade. Amparado pelas intensas atuações de Adam Driver e Alba Rohrwacher, o diretor Saverio Costanzo cria uma atmosfera tensa que envolve o espectador no ambiente terrorista em que vive Jude. Ameaçado a todo instante pela mulher, não somente Adam consegue transparecer o conflito do personagem, mas também reforça a angústia para o público. A fotografia também cria o ambiente pesado e escuro toda vez que somos convidados para entrar no apartamento do casal.
Além de provocar no espectador o aprisionamento necessário ao explorar ângulos fechados dos atores dentro do apartamento, Costanzo também entrega um roteiro que pode causar pânico pelo simples fato da mulher saber que o marido deu carne para o filho comer. O sufocamento vivido pelo casal é o que move o roteiro do diretor. A prisão que a mãe tem ao explorar um amor diferenciado para com filho é a mesma prisão que o marido tem quando ela simplesmente não o deixa sair de casa com o bebê. O sentimento cresce a cada cena e quando o público se dá conta está totalmente preso e sem fôlego ao drama do casal. O pai tenta desesperadamente em seu íntimo salvar o filho da vigilância rigorosa da mãe, ao mesmo tempo em que nutre uma outra forma diferenciada de amar pela esposa.
Corações Famintos é uma trama sobre sufocamento e como o ser humano perde o controle quando está diante de uma situação que exige mais do que ele pode aguentar. Será que todas mulheres estão preparadas para a maternidade? O zelo pode ser confundindo com excesso de proteção e se transformar em paranóia? Atos extremos são justificáveis em nome do amor para que o outro possa viver em paz? Muitas são as indagações que estão nas entrelinhas do intenso roteiro de Costanzo, mas a maior de todas é : até que ponto pode chegar um coração faminto?
Comentários