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A humanidade e o nome (O Caso de Richard Jewell)


Clint Eastwood é um diretor que explora ao máximo a humanidade dos personagens em sua filmografia. Em O Caso de Richard Jewell não seria diferente. O diretor opta por evidenciar ao máximo a personalidade do protagonista. Richard mora com a mãe e trabalha em um almoxarifado. O tempo passa e ele consegue um emprego como segurança na parte voltada para o entretenimento nos jogos olímpicos de Atlanta. O olhar atento de Richard percebe uma mochila suspeita em baixo de um banco. O local está repleto de pessoas e ao avisar a polícia, o protagonista consegue não somente evitar a morte de várias pessoas, como torna-se um verdadeiro herói. Se Richard não avisasse sobre a bomba o estrago teria proporções avassaladoras. O olhar de Clint ressalta a transição do protagonista de herói em vilão. Toda a tensão é transmitida para o espectador. 

O roteiro de Billy Ray auxilia no olhar terno de Clint ao explorar a humanidade de Richard durante os atos na narrativa. O foco é em uma falsa passividade com que o personagem reage aos fatos. A personalidade do protagonista é ressaltada a todo o momento em que surgem reviravoltas sobre o caso na mídia. No primeiro ato, o roteiro foca em detalhes que parecem simples, mas que destacam o elo do personagem com os coadjuvantes. Nunca no cinema um marchandising foi tão sensível quanto o chocolate que estreita a relação de Richard com Watson. Com o primeiro ato e começo do segundo dedicados a construção da personalidade do protagonista, o roteiro foca no restante da narrativa em transformar Richard no vilão. Como o filme é baseado em fatos, o roteiro ganha o espectador ao ser fiel e seguir passo a passo, com o auxilio em determinados momentos de imagens de arquivo, a realidade dos acontecimentos retratados na mídia e a postura do FBI. Aqui podemos destacar os arcos dos coadjuvantes, em especial, Kathy Scruggs e Tom Shaw. A primeira, consegue um furo de reportagem de forma um tanto quanto antiética. Olivia Wilde teve sua chance ao Oscar de atriz coadjuvante ofuscada pela polêmica envolvendo a personagem. O que não deixa de ganhar com contorno irônico. Uma pena, pois o roteiro trabalha o arco da personagem de tal forma que a atriz torna-se peça fundamental para a grande reviravolta da trama. Já o personagem de Jon Hamm reforça os métodos nada éticos do FBI ao focar em Richard como principal suspeito. O roteiro intensifica como a dupla, mídia e FBI, foi fundamental para a permanente condenação de Richard aos olhos da população. Apesar do objetivo principal do roteiro ser humanizar e transparecer ao máximo os fatos, ainda hoje uma grande parcela do público ainda faz a ligação da persona do protagonista com o ato terrorista. Outro ponto fundamental do roteiro é que a todo o momento durante as investigações Richard parece ser o verdadeiro suspeito do atentado. Várias armas são encontradas na casa do protagonista, além do próprio fabricar provas contribuindo com o FBI. 


Dois nomes fazem de O Caso de Richard Jewell ter autoria: Clint na direção e Paul Walter como protagonista. A dupla trabalha de tal forma que o espectador consegue compreender as nuances do estudo de personagem proposto no longa. Clint Eastwood observa o protagonista de forma terna e ao mesmo tempo direta. O zelo com a mãe e a amizade com Watson reforçam a humanidade em volta da figura do protagonista. O foco do diretor é Richard, mas Clint intensifica o arco do protagonista proporcionando aos coadjuvantes momentos  significativos. É o caso específico de Kathy Bates e Nina Arianda. Em uma mesma cena, Clint foca o olhar do espectador na trajetória do protagonista sem deixar de lado a importância de ambas. Não existe pressa no vocabulário do diretor ao transpor para a tela todo o sofrimento da família. O que move boa parte do filme é a personalidade de Richard. Clint deposita uma confiança enorme no trabalho de Paul que vai além da aparência física. O diretor explora ao máximo a falsa passividade do ator que consegue extrair da passividade uma tensão que causa desconforto constante no espectador. O diretor liga as câmeras e proporciona ao público uma imersão contemplativa e gradativa priorizando cada detalhe e resgatando aspectos que evidenciam o arco dos personagens, como no caso dos chocolates e vasilhas da mãe. O ápice é registrado pelo olhar do diretor com a mesma ternura e simplicidade que foram exploradas todas as reviravoltas da trama. O Caso de Richard Jewell presa também pela simplicidade dos elementos narrativos. A contemplação de Clint Eastwood ao abordar uma temática que ganha contornos de retratação envolve o espectador por completo. A transparência ao expor os fatos é sentida na montagem que casa perfeitamente com a contemplação proposta pelo diretor. A trilha surge em momentos pontuais para destacar as relações afetivas do protagonista sem apelar para o melodrama. Aqui Clint tenta desfazer o imaginário em torno da figura de Richard que em questão de dias viu sua vida ser marcada para sempre. Apesar de Richard ser conhecido até hoje como o homem da bomba de Atlanta, Clint consegue dar um nome para o personagem da vida real. 

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