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O espectador agradece (Louca Obsessão)


Um suspense que beira à perfeição. Obras de Stephen King são constantemente adaptadas para o cinema e Louca Obsessão é mais uma bela leitura do livro de King. Na trama, Paul Sheldon é um escritor marcado por uma série de obras intitulada Misery. O protagonista decide se isolar para buscar inspiração para o próximo livro, porém, ao pegar uma nevasca forte no caminho, Paul sofre um grave acidente. A enfermeira Annie o resgata e começa a prestar os primeiros cuidados para estabilizar a saúde do escritor. Posteriormente, a personagem confessa que é fã de Misery. À medida que os cuidados são prolongados o escritor começa a desconfiar das verdadeiras intenções da enfermeira. 

Misery é um ótimo exemplo em que os elementos narrativos auxiliam constantemente na construção da tensão que a narrativa exige para envolver o espectador. A trama alterna momentos em dois locais: A delegacia e a casa de Annie. Como os locais são reduzidos é necessário que a tensão ganhe o espectador logo no início. Como o protagonista está preso na casa e impossibilitado de andar cabe diretor Rob Reiner explorar ao máximo a relação dos personagens. O diretor intensifica gradativamente a tensão com ângulos e enquadramentos que reforçam as interpretações de James e Kathy. A opção pelo primeiro plano e close nos atores transmitem a ideia de sufocamento e tensão presentes na trama. Um dos momentos mais importantes de transição de camadas de Annie é quando Rob opta pelo contra plongée para expandir a aura de loucura da enfermeira.

A direção de Rob é imprescindível para transmitir o jogo tenso entre os personagens, mas os demais elementos narrativos também contribuem para reforçar essa relação. A trama possui diálogos precisos e presa em vários momentos pela reação de James aos "cuidados" de Kathy. Além desse tempo necessário para o espectador se envolver em cada tentativa frustrada do protagonista em escapar do local, a trilha sonora aumenta a tensão envolvendo a personagem de Kathy. Todas as reviravoltas do personagem e momentos de fúria são acompanhadas da trilha precisa de Marc Shaiman. Outro elemento que auxilia na caracterização da personagem é o figurino. Pelo viés religioso de Annie a personagem sempre aparece com uma corrente com crucifíxo e as cores sempre neutras. Vestidos com flores pequeninas e cores voltadas para o cinza e azul escuro. Como o protagonista utiliza somente roupas escolhidas por Annie, não é à toa que em algumas cenas o escritor aparece de vermelho. Outro elemento que reforça a psicopata de Annie e o sufocamento de Jack é a direção de arte. O elemento é fundamental porque boa parte da trama se passa na casa da personagem. Os móveis são posicionados muito próximos um do outro. Tudo muito apertado com cores apagadas. Vale destacar o quarto de Annie que possui uma inclinação no teto para também transmitir a sensação de um traço complexo da personalidade de Annie.


Louca Obsessão possui um roteiro preciso e direto. A exatidão presente para reforçar as transições atos é digna de pausa no filme. No fim do primeiro ato, Annie começa a mostrar em tom de ameaça as camadas de psicopata da personagem. A transição do segundo ato é quando o Buster começa a investigar o desaparecimento de Jack e o terceiro ato é dedicado ao jogo físico entre os personagens. Além das transições entre os atos, as atuações são a alma da narrativa. James Caan precisa manter o equilíbrio na tensão do protagonista para tentar ludibriar Annie. James transmite o medo e a tentativa de reforçar laços afetivos com a personagem. Já a interpretação de Kathy Bates, merecedora do Oscar, intensifica a variação de psicopata e meiguice da personagem de forma precisa. As camadas da Annie são exploradas pela atriz de forma competente. Em várias cenas a atriz apresenta transições drásticas de personalidade. A tensão da narrativa existe graças ao jogo entre os atores. 

Louca Obsessão é uma das melhores adaptações de King para o cinema. Como a trama é basicamente o jogo entre os dois protagonistas, os elementos narrativos precisam auxiliar na tensão entre os atos. A montagem presente nos momentos de tentativa de fuga transmite o suspense necessário no filme. As interpretações são a base para que o envolvimento do espectador seja total. Os atores fazem o espectador querer saber cada vez mais quem vai estar na frente do outro no jogo estabelecido desde o começo da trama. Louca Obsessão é a prova de que uma adaptação pode e deve transmitir toda essência da obra original. Quando essa visão de transição da literatura para o cinema acontece de tal forma que beira à perfeição, o espectador agradece.

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