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O silêncio como resposta (Infiltrado na Klan)


Valeu a pena aguardar o hiato de Spike Lee? O começo de Infiltrado na Klan é o reflexo do mundo atual: Alec Baldwin ensaia um discurso enquanto imagens são sobrepostas em seu rosto. O ensaio é repleto pela tentativa de frases com uma intonação mais enfática e cores vibrantes. As imagens são significativas e tornam o discurso cada vez mais próximo do que vemos nas figuras de determinados presidenciáveis. O início é o retrato de Donald Trump. As tentativas proporcionam um tom cômico que permeiam toda a narrativa. Dessa forma, o espectador está inserido no filme com um viés político voltado para a comédia. Ainda no primeiro ato, a trama gira em torno dos policiais Ron e Flip. Ron é negro. O primeiro negro a trabalhar em uma delegacia local.  Flip é Branco. Branco e judeu. Cansado de entregar ficha de criminosos, ou dos negrinhos, como faz questão de enfatizar um colega de trabalho, Ron tem a ideia: o protagonista lê um anúncio sobre recrutamento de novos membros para o movimento da Ku Klux Klan. Ron é a cabeça da operação. Ele articula o plano pelo telefone com os membros do movimento, enquato Flip é a presença branca infiltrada na Klan. O objetivo: impedir os diversos ataques realizados pelo movimento. 

O roteiro reforça a alternância dos movimentos. De um lado, Os Panteras Negras, movimento negro que surgiu na década de 1960, que almejava lutar pelos direitos da população negra utilizando da resistência armada uma  forma de proteção contra a ação policial. Do outro lado, o espectador é imerso no universo da Ku Klux Klan, movimento que surgiu em 1866, que tem como princípio básico a defesa da supremacia branca e utiliza da violência extrema para extinguir as "raças impuras". Após a ideia de infiltrar Filp no movimento da raça pura, Spike Lee proporciona ao espectador uma narrativa extremamente reflexiva caucada no humor. Sempre utilizando o zoom in para reforçar e destacar a importância da figura do líder, o diretor reforça os movimentos. A montagem proporciona um equilíbrio intenso entre ambos. Sempre que um líder discursa, outro também expõe seus ideiais. Porém, a diferença entre os movimentos é gritante. Os Pantenas Negras são mais pulsantes, intensos e marcados pelo gestual. Na Ku Klux Klan, o líder possui um ar sereno de superioridade, quase inexpressivo, mas não deixa em momento algum perder a força presente no discurso. De um lado o discurso potente e emocionante de um sobrevivente que relata a perda do amigo de forma cruel e injusta. Do outro, o filme de D.W. Griffith, O Nascimento de uma Nação, que impulsiona o preconceito e serve de "inspiração" para os membros da Klan. Ao propor a alternância entre os movimentos, Spike Lee reforça a presença dos protagonistas. Ron não exita em criticar Os Panteras Negras para a namorada Patrice. Já Filp ganha cada vez mais destaque dentro da Klan. Assim, o espectador conhece e se familiariza com os personagens. No terceiro ato o filme ganha aspectos documentais e ressalta como ainda voltamos e vivemos as raízes de um passado tão cruel. 

John David Whashigton interpreta Ron de forma equilibrada entre o drama e a comédia. Os trejeitos e gírias típicas envolve o espectador e está presente no personagem. Quando Ron chega para o primeiro dia de trabalho faz questão de colocar as mãos sobre o black power. O ato demonstra o orgulho por ser o primeiro negro da delegacia. Por sofrer constantemente com o preconceito de colegas de trabalho, David transita de forma interessante pelo personagem. A maneira com que o ator aborda as nuances de Ron enriquece o protagonista. Adam Driver transmite um ar sereno no primeiro ato e que ganha proporções mais tensas a medida que o personagem passa por perigos e suspeitas dentro da Klan. A tensão no olhar do ator e a maneira como Adam precisa manter tranquilidade marcam Filp. Por tudo que o personagem passa, Flip começa a refletir sobre sua origem e o trabalho fica pesado de suportar. Uma camada extra dentro do roteiro que faz o personagem ganhar maior destaque dentro da trama. Topher Grace interpreta David Duke com um ar de superioridade que reforça o ideal do líder para o movimento da Klan. Mesmo nos piores momentos, ele permanece superior e sureno. Já Ashlie Atkinson é o reflexo do puro preconceito e da submissão. A atriz reforça em Connie a presença de uma mulher que serve e estabelece lealdade a supremacia branca. Já Laura Harrier transmite uma leveza desnecessária para Patrice. A personagem possui força e destaque dentro do movimento dos Pantenas Negras. Uma construção equivocada e fora de contexto. 


Spike Lee na direção e Jordan Pelee envolvido no produção. O cunho político e humor presente em ambos potencializa ainda mais a produção. Existe o toque de Pelee em várias cenas da trama. Nos remete ao humor de Corra! principalmente nos diálogos de Ron com David e na presença de um personagem que trabalha em determinada reunião da Klan servindo os convidados. O que o personagem fala em seguida é muito próximo do filme de Pelee. Uma parceria que resultou em um dos melhores filmes do ano. Além do humor presente no filme, Spike Lee dosa em momentos certeiros a tensão de Infiltrado na Klan. O terceiro ato é o mais ritmado e que gera uma tensão gradativa no espectador. Flip será descoberto como policial infiltrado? Ron conseguirá esconder de Patrice que é policial? Por quanto tempo a dupla vai persistir na operação? Essas perguntas envolvem ainda mais o espectador na trama. E o desfecho é de causar desconforto. Desconforto por saber que o racismo e violência estão lado a lado. 

Um dos pontos mais interessantes de Infiltrado na Klan é como o diretor consegue mesclar humor sem deixar de propor a reflexão sobre vários temas relevantes. O filme, além de ser extremamente bem dirigido, nos insere em uma reflexão maior nas várias subtramas propostas: No momento em que Ron critica o movimento dos Panteras Negras, mas ao mesmo tempo sabe da importância do mesmo, o fato de Flip ter que passar por várias situações para refletir sobre sua origem, nas conversas hilárias que o protagonista estabelece com David, do sofrimento de Ron ao observar que membros da Klan utilizam como alvo figuras de negros correndo, da leveza de um primeiro encontro repleto de significado e gingado e das barreiras que o protagonista precisa enfrentar dentro do trabalho em ter que provar todo dia que é capaz de exercer a função que almeja. A pergunta que fica: valeu a pena esperar? O silêncio após a sessão é a resposta para a reflexão de um dos melhores filmes do ano.

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