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O desejo compreensível de assobiar (La La Land)


   

O ano era 2011. O Artista teve a primeira exibição comercial em Cannes. Após o Festival, o filme foi aclamado e o inevitável aconteceu: ganhou vários prêmios e trouxe consigo toda a aura repleta de homenagens ao cinema mudo. Com a repercussão de uma trama extremamente simples, mas que enfatizava a nostalgia de uma Era tão importante para o cinema mundial, O Artista reinou por onde passou. Algo semelhante aconteceu com proporções maiores na última premiação do Globo de Ouro, agora com La La Land - Cantando Estações. Troque o gênero e em 2017 temos mais um filme que faz uma bela e simples homenagem a um período específico do cinema: os musicais clássicos.

A trama gira em torno do casal Mia e Sebastian. Ambos sonhadores. Ele sonha em viver de música. Ela almeja ser atriz. Mia trabalha em um café nos estúdios Waner e entre a rejeição de um teste e outro segue tentando concretizar seu sonho. Ao longo do primeiro ato, o espectador tem contato com a dura realidade dos protagonistas. Damien Chazelle ressalta a homenagem aos musicais logo na primeira cena. Um congestionamento. Uma personagem sai do carro e começa a cantar. A cena enfatiza o domínio do diretor com o material explorado. Um longo plano sequência envolve e insere o público na narrativa. No lugar do guarda-chuva e coreografia elaborada, algumas referências óbvias de clássicos musicais, Damien destaca elementos atuais, um personagem surge de skate, enquanto outro ao fundo auxilia na movimentação da cena ao andar de bicicleta. 

Após o primeiro impacto com a cena que lembra bastante os clássicos musicais com a abertura de uma longa música para trazer a atmosfera ao público, os demais elementos narrativos que são fundamentais no gênero ganham forma orgânica e complementam os arcos dos personagens. O cuidado com a direção de arte nos pequenos detalhes que casam perfeitamente com o figurino do casal e a fotografia com paletas saturadas remetem instantaneamente aos antigos musicais de Hollywood. Todos os aspetos que acrescentam na narrativa são explorados de forma simples e tocante. La La Land é uma clara homenagem, mas não pretende ser uma cópia de filmes do gênero. A sutileza torna a história grandiosa. Quando a personagem de Mia faz um teste com a jaqueta semelhante à de James Dean em Juventude Transviada, ou quando Sebastian gira em torno de um poste em uma referência ao clássico Cantando na Chuva, o espectador percebe que está diante de uma trama composta por pequenos detalhes que fazem toda diferença. 


Damien Chazelle reforça um aspecto interessante na escolha do elenco. Seria fácil para o diretor trabalhar na zona de conforto e escalar atores familiarizados com o gênero. O que fica evidente durante toda a trama é que Emma Stone e Ryan Gosling são atores esforçados. Ao longo dos atos, o espectador nota que as coreografias são simples se comparadas com os filmes clássicos, mas em nenhum momento esse aspecto prejudica o ritmo do musical, pelo contrário, só o faz crescer a cada estação explorada. A trilha sonora marca perfeitamente o arco dos personagens. E a grata surpresa fica por conta do timing cômico de Ryan que com um simples gesto consegue gerar gargalhadas no espectador. 

O filme prolonga alguns momentos desnecessários principalmente no terceiro ato quando uma trama paralela toma conta da tela somente com o intuito de gerar fantasia na relação amorosa dos protagonistas e agradar o espectador para seguir um padrão romanceado. A cena em que ambos se reencontram deixa clara a trajetória e os caminhos dos personagens.  

Assim como aconteceu com O Artista, La La Land - Cantando Estações retoma e proporciona ao espectador uma volta ao passado de forma simples e extremamente tocante. A cada cena o público fica anestesiado com a imensidão de cores, figurino, canções e nostalgia que cresce na tela. Nos resta aguardar qual será o próximo gênero que outro diretor queira homenagear. Se após assistir Cantando na Chuva, você tem um desejo totalmente compreensível de querer girar em torno de postes de luz, com La La Land, você poderá não conseguir controlar o desejo igualmente compreensível de sair assobiando após a sessão.   



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