Quando Logan estreou em 2017, me recordo de como saímos da cabine de imprensa do filme. Era inevitável a sensação de despedida de um personagem tão emblemático no mundo dos quadrinhos e do cinema. Hugh Jackman deu vida ao personagem que já era conhecido em animações e nas HQs. Um caso impressionante e que acontece raramente onde o personagem é confundido com o ator. Dezessete anos se passaram até a despedida do ator que ainda permeia o imaginário do espectador.
Além de não sabermos onde começa e termina a junção de ator e personagem, Logan é um marco nas adaptações de quadrinhos para o cinema. Na época a Fox ainda era a detentora dos direitos dos X-Men e mudou drasticamente o nosso olhar para os filmes de super-herói. Logan é entretenimento de qualidade que pode e foi além da fórmula Marvel de fazer cinema. Um dos aspectos que diferenciam o longa dos demais é a violência que permeia toda a narrativa. Não existe uma morte em Logan que não seja repleta de tensão e sangue. Dois personagens que marcaram o retorno dos filmes de herói se despedem no longa: Professor Xavier e Logan. Existe um aspecto que permeia o roteiro e conduz as ações dos personagens: a paternidade. Logan enxerga em Xavier a figura paterna e a relação entre ambos é bem próxima do que vivemos no mundo real. Brigas em determinados momentos por conta da idade e doença do professor. Tão emblemático quanto os poderes do personagem é o mesmo sofrer de um tipo de demência, o que o torna uma bomba relógio. Quando Xavier têm convulsões todos em sua volta sofrem de paralisia mental. O poder que auxiliou muitos no decorrer dos anos, agora, coloca civis em perigo. Por isso, o zelo de Wolverine com o pai. Do jeito Wolverine de ser, Hugh também reforça a questão da paternidade por X-23. A garota desde muito cedo perde pessoas importantes, uma similaridade com o passado de Logan, além, é claro, de ser a cópia em termos de personalidade. O que motiva a pequena é a violência. Aos poucos os laços se estreitam e Logan finalmente sente como é ser pai. O roteiro também toca em uma temática recorrente nos Estados Unidos: a visão do americano para com os mexicanos. Não é à toa que as crianças que viram soldados do governo são mexicanas. São invisíveis duplamente: são mutantes e imigrantes. Esse aspecto fica claro quando Gabriela explica o motivo do experimento. As crianças são pobres e ninguém sentirá falta delas. Stephen Merchant é um dos poucos mutantes sobreviventes e serve de auxilio ao cuidar de Xavier enquanto Logan ganha dinheiro como motorista. Caliban é responsável pela atmosfera de westen contemporâneo presente em Logan. A perseguição que o governo realiza em boa parte da trama se dá graças ao poder do mutante em identificar o cheiro de X-23. Outro aspecto fundamental do roteiro é explorar cada arco dos personagens e proporcionar aos protagonistas humanidade. Cada um do trio possui o seu momento de sensibilidade com cunho familiar. Temos Wolverine em ação, mas também temos uma singela ternura de Logan com os demais personagens.
A direção de James Mangold é precisa nas cenas de ação. O diretor envolve o espectador na agilidade e sincronia nas cenas de luta. Vale destacar a cena final em que X-23 e Wolverine lutam juntos. Os personagens possuem movimentos similares ressaltando o aspecto do laço entre pai e filha. Tudo bem que cabeças são decepadas a todo o momento, mas a cena não deixa de ressaltar o trabalho em equipe tão característico e presente na veia mutante. Nas cenas dramáticas a direção nos faz lembrar que James também é conhecido como um ótimo diretor dramático. James explora ao máximo o primeiro plano para destacar a atuação de Hugh e Patrick. A entrega de ambos é intensa e a câmera capta todas as nuances dos personagens. Outro elemento narrativo fundamental em Logan é a edição de som que gera emoção no espectador, principalmente nos confrontos entre governo e mutantes. O som tão característico que marcou o protagonismo de Wolverine está singelo justamente pelo fato do protagonista estar mais vulnerável, ou seja, humano. O velho Wolverine vem à tona com força total no desfecho quando injeta uma quantidade significativa de medicamentos. Em toda a cena do desfecho a edição de som é a protagonista.
Impossível falar de Logan e não mencionar o carinho que Hugh Jackman nutre pelo personagem. Muito antes de Thanos aparecer nas telas, o público já acompanhava a trajetória do ator como Wolverine. É difícil fazer uma distinção do ator e personagem, em Logan, a sensação que Hugh passa é que os dois são um só. O carinho é tamanho que a proposta do protagonista é mostrar a humanidade de Logan e logo nas primeiras cenas a vulnerabilidade do personagem está presente. O olhar melancólico é constante e a postura corporal totalmente distinta dos demais filmes em que o ator interpretou o personagem. Logan está morrendo aos poucos no filme e o ator demonstra de forma gradativa o personagem se despedindo. Existe uma dualidade que sempre marcou o personagem: ele sente ao mesmo tempo em que afasta todos ao seu redor. Ele sente amor por Xavier e X-23, mesmo tendo que abafar esse sentimento de forma constante. Se por um lado faltou sensibilidade para Wolverine no decorrer de dezessete anos, do outro temos professor Xavier que sempre foi a sensibilidade em pessoa desde o primeiro longa no ano de 1999. Em Logan, por conta da idade avançada, além da sensibilidade Patrick Stewart empresta ao personagem uma falta de paciência difícil de imaginar para o professor que sempre foi a figura paterna para muitos mutantes. O ator é o coadjuvante fundamental para evidenciar a humanidade em Logan. Não despedimos somente de Logan como também da humanidade e empatia de Xavier. Quem surge bem deslocado na pele Donald é Boyd Holdbook que caricato por demais destoa do restante do elenco. Já Dafne Keen empresta um olhar e desenvoltura física que a personagem necessita.
Outro diferencial de Logan está na fotografia que casa perfeitamente com o esgotamento físico e emocional dos personagens. A atmosfera de westen no longa não está somente de forma implícita quando Xavier assiste Os Brutos Também Amam, faroeste dos anos 1950, como também na fotografia quente que destaca a viagem e proporciona ao longa o viés de road movie. Em momentos mais dramáticos a fotografia é fria, como podemos sentir na despedida de Xavier. Podemos dizer que a despedida de Logan foi marcante e ainda é em vários aspectos por ser um filme diferenciado de super-herói. Logan prova que devemos fugir da fórmula estabelecida pelo universo compartilhado da Marvel e seguir em frente com uma visão intensa, emocional e de qualidade. Temos em Logan um gênero diferenciado, o faroeste, que coube como uma luva na amargura do protagonista. Tiramos os cavalos e colocamos os carros. A paternidade e o lado humano presente em todos os personagens envolve o espectador nos conflitos internos de cada um tornando a despedida ainda mais sentida. Com um singelo gesto a pequenina que precisa amadurecer de forma drástica arranca lágrimas do público quando a cruz se transforma em X. Uma despedida que provoca reflexões sobre os novos rumos das adaptações dos quadrinhos para o cinema.
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