O pôster alerta o espectador: Uma comédia de Taika Waititi. Mas no mesmo pôster consta um desenho de Adolf Hitler piscando, sorrindo e com o polegar levantado sinalizando um gesto universal de positivo. O contexto um tanto quanto surreal destaca traços singelos para uma das figuras mais odiadas da história mundial. O conjunto do desenho e o gênero utilizado pelo diretor evidenciam que todas as liberdades criativas tomadas por Taika são autorais e que o público compreenderá que tudo não passa de uma crítica em forma de sátira. Claro que no decorrer de todo o longa perguntas podem surgir de cunho contraditório: Como posso "gostar" do personagem? É Adolf Hitler ou um amigo imaginário carismático? Esses questionamentos são elucidados no roteiro também de Waititi.
O roteiro explora a visão do jovem Jojo que vive na Alemanha em plena Segunda Guerra Mundial. Tudo que é apresentado ao espectador reforça o imaginário do protagonista que deseja participar do grupo Juventude Hitlerista. Como o foco é o imaginário de Jojo e a realidade ao seu redor, Taika explora todos os personagens de forma surreal com a liberdade que a imaginação do protagonista possa alcançar. Apresentar Adolf Hitler como amigo conselheiro de Jojo, um coadjuvante que ganha o coração de todos, a mãe zelosa que contorna o fanatismo do filho com amor, uma amiga judia e coadjuvantes caricatos que reforçam o tom cômico do filme ganham aos poucos o envolvimento do espectador. Taika apresenta o universo de Jojo com todo o cuidado imerso no caos da autoria presente em sua filmografia. O roteiro explora nos atos a reflexão do protagonista de maneira leve e direta ao mesmo tempo. Leve pela atmosfera criada ao explorar a temática e direta porque Jojo passa pelas dores da guerra para finalmente modificar a maneira de pensar sobre o nazismo. Não se engane: Taika não defende ideais e os absurdos de Hitler, o diretor deixa claro nos atos a importância de ressaltar a mudança de posicionamento de Jojo. Para que isso ocorra é preciso que algumas questões sejam levantadas para que as mesmas sejam confrontadas. Por isso é de fundamental importância a presença das figuras femininas no longa. Rosie é a mãe que contorna as situações e fanatismo do filho de forma terna e amorosa. Já Elsa é fundamental para que o jovem perceba e sinta que o amor pode quebrar qualquer tipo de preconceito. Taika desenvolve as personagens mantendo o humor que move boa parte da narrativa. Todos os personagens surgem para acrescentar de forma positiva na atmosfera cômica e reforçar o quanto é absurda a propagação do ideal nazista. O jogo entre a sátira e como o espectador realiza a leitura dos personagens é o grande trunfo de Jojo Habbit.
O envolvimento do espectador na narrativa acontece muito pelo trabalho que Taika Waititi realiza com o elenco. Roman Griffin Davis é o protagonista ideal para interpretar Jojo. Existe uma sensibilidade e ternura no olhar do jovem ator que são necessárias para compor o protagonista. A transição e mudança de pensamento de Jojo estão presentes justamente na forma meiga como o ator apresenta o personagem. O fato de Taika não o deixa sozinho auxilia de forma significativa na grandiosidade do arco do protagonista. Pelo fato do amigo imaginário de Jojo estar presente, a química de Taika e Roman engrandece o primeiro trabalho do ator nas telas. A comicidade com que os absurdos são explorados e a forma como ambos se divertem em cena ganha o espectador. Além de Taika, a sensibilidade com que Scarlett Johansson apresenta Rosie quebra preconceitos e aos poucos trás amorosidade para a vida do filho. A forma leve com que a atriz aborda temáticas difíceis quebra com a dura realidade do mundo fantasioso que Jojo insiste em viver. Porém o destaque que cativa o espectador por completo é a presença real do amigo do protagonista. Impossível não se encantar com o carisma de Archie Yates como Yorki. A versão miniatura de Nick Frost reforça os sentimentos de amizade e as atrocidades mencionadas por ambos intensificam ainda mais o absurdo que foi o ideal nazista. Pena que o ator é explorado pouco pelo roteiro.
O cuidado com os elementos narrativos faz de Jojo Habbit um filme peculiar e envolvente. Além da forma com que a temática é abordada, os elementos narrativos auxiliam constantemente no arco dos personagens e proporcionam leveza ao longa. A trilha acompanha não somente a imaginação do protagonista como também embala momentos ligando o gestual emblemático do nazismo com uma música tão presente no imaginário do espectador. A versão alemã de I Want To Hold Your Hand dialoga com o gestual e apresenta ao público a leveza de Taika ao abordar o nazismo. Interessante perceber também a questão do figurino na personagem de Rosie. A Mãe de Jojo tenta a todo o momento amenizar a visão conturbada do filho ao mesmo tempo em que sofre com a ausência do marido. A leveza da personagem é destacada pelas cores suaves e vivas do figurino. O oposto é sentido na personagem de Elsa que surge sempre com figuridos mais escuros e ausentes de vida. A junção dos elementos é consequência da imaginação de Taika na direção. O mérito do diretor é trazer ao espectador a leveza explorando também o tom dramático que a temática exige. Ao mesmo tempo em que Taika capta a delicadeza de sentimentos quando algo trágico acontece com o jovem Jojo, ele se livra de Hitler em uma das cenas mais cômicas do longa. Assim, o imaginário do protagonista e do diretor move uma junção que cativa em cheio o espectador.
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