Pular para o conteúdo principal

O poder de cada elemento narrativo (Gênio Indomável)


Gênio Indomável é um drama que de tempos em tempos precisa ser revisitado por inúmeros motivos. Os elementos narrativos são perfeitamente explorados para que o espectador acompanhe a trajetória de Will, um jovem especial que consegue decifrar problemas matemáticos que Gerard deixa no quadro para os alunos ao menos tentarem resolver. O que os alunos fariam em um semestre, Will resolve em um dia. Não tarda para que o professor descubra quem realmente solucionou o problema. O fato é que após a descoberta, demais problemas, de cunho pessoal, surgem impedindo que Will tome uma decisão: seguir o caminho dos estudos ou o seu coração. No decorrer dos atos o protagonista evita ao máximo expor seus sentimentos. A solução para que Will permaneça no programa é fazer terapia com Sean. 

O roteiro de Ben Affleck e Matt Damon consegue equilibrar drama e emoção na medida certa para não cair no melodrama. Os diálogos são repletos de emoção contida e que surgem no momento certo para estabelecer uma conexão com o espectador. Aos poucos o passado de Will vem à tona e é intensificado pelo acolhimento de Sean. Em momentos oportunos também somos familiarizados com os conflitos internos de Sean, que viveu traumas parecidos com os de Will. Existe também o contraste social que a montagem reforça de forma intensa durante o longa. O tédio da realidade acadêmica serve de contraponto para a diversão de Will com os amigos e nos momentos de relacionamento com Skylar. O destaque dos coadjuvantes fica para Robin Willians. O coadjuvante clássico que move as ações do protagonista quando está em cena. 

A escolha pela direção de Gus Van Sant é precisa para explorar todo o sentimento dos personagens. O diretor opta por uma câmera estática focando principalmente na interpretação de Will e nos demais coadjuvantes. Vale destacar um aspecto que causa estranhamento, pois foge do que era proposto até então: em uma sessão, Gus explora o posicionamento dos atores na mise-en-scène de forma diferenciada, ele prepara o espectador para que observe o posicionamento das cadeiras na cena. Os personagens estão mais próximos, pois a relação entre ambos já está mais consolidada, ainda que existam barreiras que serão superadas posteriormente. Existe uma sensibilidade presente na autoria do diretor que ao ligar a câmera consegue captar emoções sem pesar a mão, o que é fundamental para a gradação da emoção de Will como protagonista. 

Cinema é também a arte dos detalhes e em Gênio Indomável esse aspecto fica evidente no figurino dos personagens. Existe um embate entre o Sean e Gerard, não somente em questões do passado como também no figurino. A personalidade de Sean é mais sensível e delicada, portanto o figurino é voltado para cores mais vivas e suaves. O coadjuvante sempre aparece com cores azul, bege e verde. Vale destacar também os detalhes na blusa, detalhes de desenhos pequenos que proporcionam ao espectador um olhar mais atento para a personalidade de Sean. Já o persoangem de Stellan Skarsgard é centrado, portanto possui um figurino com cores voltadas para o preto e casacos pesados. Existe um leve acessório que acompanha o coadjuvante durante toda a narrativa, proporcionando certa quebra na rigidez do professor. Além do figurino ser importante na construção da personalidade e na rivalidade entres os atores, o elemento narrativo também intensifica a relação de Will e Skylar. Existe a dualidade presente nas realidades distintas de ambos e o figurino reforça ainda mais esse aspecto. Will surge sempre com cores bege e o vermelho aparece em momentos decisivos. Já Skylar é a jovialidade da cabeça aos pés, literalmente, da cabeça aos pés. Existe certo exagero em uma jovem universitária usar um laço no cabelo que beira o infantil, mas o restante do figurino condiz com a personalidade espontânea da atriz. 

A fotografia é de fundamental importância para o arco do protagonista. Em uma cena que marca o ponto de virada nas sessões, Will descobre a fragilidade de Sean: a morte da esposa. Momentos antes o protagonista surge com o rosto iluminado, proporcionando a ideia de que descobriu algo importante. Além da descoberta, o ato de violência também marca uma abertura na relação dos personagens. Will e Sean sabem como ninguém com a violência marcou de forma significativa a infância de ambos. Mais uma vez os detalhes cinematográficos fazendo a diferença na construção dos personagens. Outro momento em que a fotografia se faz presente é na relação entre Skylar e Will. São paletas quentes e tons intensos voltados para o vermelho, sinalizando uma abertura do protagonista para a entrega de verdades escondidas. 

Como a câmera de Gus Van Sant é em boa parte estática o trabalho dos atores precisa sobressair e aqui temos jovens inspirados e atores experientes proporcionando momentos raros no cinema. Robin Willians ganhou o Oscar de ator coadjuvante pela interpretação de Sean. É notório que o filme é de uma leveza sem tamanho quando o ator está em cena. Robin possui um olhar sensível que envolve o espectador. No lado oposto está o jovem Matt Damon com a impulsividade de Will. A agressividade é substituída aos poucos pela abertura dos sentimentos vivenciados pelo ator. Já os amigos de Will, em especial, Ben Affleck, proporcionam ao longa um tom cômico necessário para equilibrar a carga intensa dramática presente no passado do protagonista. Gênio Indomável ressalta não somente a questão de se dar uma nova chance como também destaca o poder de cada elemento narrativo para alcançar a emoção do espectador. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...