Aos poucos e com
muita persistência Ben Affleck retomou sua carreira em Hollywood como premiado
diretor. A volta para os holofotes lhe rendeu também papeis na atuação. É
o caso de O Contador,
onde o ator vive um personagem com Síndrome de Asperger, uma doença de sintomas
mais brandos relacionados ao Autismo. A medida que Christian se afasta do
convívio social, ele se aproxima dos números. O protagonista mantém meramente
por fachada um escritório de contabilidade, mas sua atenção está voltada para
trabalhos mais perigosos envolvendo organizações criminosas.
Logo no início somos apresentados a família do
protagonista. Os pais procuram ajuda para tentar compreender o comportamento do
filho. O pai reluta em começar o tratamento, pois o trabalho o faz permanecer
pouco tempo na cidade, a família muda constantemente, o que dificulta ainda
mais os laços sociais do menino. No decorrer do filme, com o recurso de
flashbacks, o espectador tem contato com a infância conturbada do garoto e
quando este se transforma em um adulto metódico.
A proposta inicial de O Contador é
um estudo aprofundado do personagem que tem como elementos base a direção de
arte, trilha sonora e a opção pela câmera tremida e estática de Gavin
O´Connor. Uma das características marcantes de
Christian é a organização e os cenários refletem com precisão o cotidiano do
protagonista. Todo o ambiente que o envolve é sempre representado por uma
fotografia escura e móveis sofisticados, mais ao mesmo tempo lineares e com
poucos objetos cênicos. A trilha sonora é alternada com momentos de tensão e
caos. Quando a falta de equilíbrio fica evidente, a opção por uma música mais
pesada acrescenta consideravelmente na visão do espectador em observar o
tormento psicológico do personagem.
O trabalho de edição é importante nos dois primeiros
atos a medida que a história do protagonista se intercala com as demais. Os personagens entram na vida de Christian aos poucos para gerar
a tensão necessária no espectador. O grande equívoco de O Contador é
a zona de conforto presente nas características dos coadjuvantes. Esse aspecto
pode ser ressaltado nos arcos de Jon Bernthal e Anna Kendrick. O ator apresenta Brax sob medida e
influência de personagens vividos em séries americanas. Nas cenas iniciais, o
público percebe que está diante de Shane de The Walking Dead e Frank Castle de
O Demolidor. Anna Kendrick é a mocinha indefesa que não possui
química suficiente com Ben Affleck.
A construção de sua personagem com um tom mais irônico causa o contraste
interessante para o choque da personalidade de Christian, mas aos poucos a
sintonia de ambos logo desaparece.
O roteiro explora com competência a trama principal,
mas ao focar nas subtramas deixa a desejar. Todo o contexto narrativo vivido
pelos personagens de J.K. Simmons e Cynthia Addai-Robinson é importante para o
desenvolvimento do filme porque funciona como peças de um quebra-cabeças que
aos poucos desperta o interesse no espectador. O problema é querer explorar o
arco mais aprofundado dos personagens em uma única cena tornando-a extremamente
longa causando a falta de ritmo na história. O desfecho dos personagens, para o
público mais atento pode não gerar tamanha surpresa e expectativa. O enfoque no
pseudo-romance entre Christian e Dana ganha um tom piegas e esbarra no clichê para
somente ressaltar que o protagonista seguirá a vida. O Contador apresenta
ao público um filme de ação interessante, com o cuidado delicado em explorar
uma síndrome de difícil compreensão e acesso, mas utiliza de forma equivocada
algumas fórmulas prontas para ganhar a atenção do espectador.
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