O Homem Invisível é um filme com temática voltada para o público feminino. A contextualização em que a trama é ambientada envolve o espectador por explorar o relacionamento abusivo que a protagonista sofre. Cecilia Kass é uma arquiteta que se vê ameaçada a largar tudo o que conquistou e a própria liberdade para viver com Adrian Griffin. Não sabemos muito sobre a vida do casal, pois a narrativa desde os primeiros momentos é voltada exclusivamente para o arco de Elisabeth Moss. No primeiro ato a tentativa quase frustrada da protagonista em abandonar o marido reflete a constante presença de Adrian mesmo que ele não esteja presente fisicamente, ele está vivo no tormento da protagonista. Aos poucos Cecilia consegue retomar a rotina de simplesmente pegar a correspondência fora de casa. A personagem vive temporariamente com James e Sydney até estar segura para o convívio social.
O roteiro modifica várias vertentes presentes no clássico de 1933, o que pode ser analisado pelo viés positivo e negativo. O distanciamento da obra original de H. G. Wells é o aspecto positivo, pois apresenta ao espectador uma trama envolvente sobre traumas de um relacionamento abusivo. A base do filme é Cecilia tentando provar que não é louca quando todos acham que ela está visivelmente imaginando situações por conta do que viveu. Essa trama envolvendo o arco da personagem é válida e necessária para instigar o espectador a refletir sobre a temática. O principal problema no decorrer dos atos são os diálogos rasos estabelecidos entre os personagens, principalmente, envolvendo os coadjuvantes. Transparecer que a personagem está mentalmente instável requer um cuidado maior com o desenvolvimento dos demais personagens. O diálogo entre as irmãs em um restaurante é anti-climático para o que é proposto no término da cena. O mesmo acontece no jantar com Adrian no terceiro ato. Aliás, o terceiro ato todo ganha uma reviravolta que não condiz em nada com a personalidade instável da protagonista. O viés negativo do roteiro se faz presente justamente no plot twist proposto para Cecilia e demais coadjuvantes. Não desenvolver de forma satisfatória o arco para que a protagonista ganhe força no terceiro ato só enfraquece a trama que foi estabelecida de forma satisfatória até o término do segundo.
O filme é todo de Elisabeth Moss que mantém a tensão e instabilidade emocional de Cecilia até certo ponto. Por conta de alguns diálogos com personagens coadjuvantes a protagonista perde força no decorrer do filme. É o clássico caso de uma atriz competente para um roteiro raso. O espectador compra a angústia e tensão da protagonista, mas quando ela tenta justificar o fato da irmã ser mais forte do que ela somente por Emily conseguir imobilizar Adrian de maneira satisfatória, ou pelo fato de existir uma provável reconciliação com o marido sem que ele fale meia dúzia de palavras fica fora do tom para a atriz compor a personagem com os vazios propostos no roteiro. Elisabeth segura todo o filme, mas é claramente mais talentosa do que o arco desenvolvido para ela. Ver a atriz brilhando em Nós, de Jordan Peele é de encher os olhos do espectador. Quando o roteiro está no nível da competência da atriz o trabalho fica ausente de ruídos. Aldis Hodge possui destaque e é o coadjuvante com o melhor arco na trama. O ator é o suporte que toda vítima de relacionamento abusivo necessita. Ele ampara Cecilia e tenta fazer o possível para que ela tenha uma vida normal.
A direção de Leigh Whannell é segura em alguns momentos ao criar a atmosfera que a narrativa necessita no começo do filme na casa de Adrian. Apesar de movimentos de câmara repetitivos ao longo dos atos, o diretor consegue prender e envolver o espectador na ambientação proposta. Já a trilha causa desconforto de forma negativa, pois em vários momentos o exagero toma conta da tela e provoca o efeito contrário no espectador. O incomodo proporcionado pelo elemento narrativo é de desconforto pelo excesso ensurdecedor da trilha provocando o afastamento e não o suspense esperado. De forma geral a releitura do clássico é válida pela forma como é trabalhada e ambientada a trama para os dias atuais. Relacionamentos abusivos são traumas que marcam de forma intensa o psicológico feminino. Uma pena que o roteiro se perde no meio do caminho com plot twist desnecessários modificando não somente os rumos da narrativa como também explorando vertentes desconexas para a construção de Elisabeth Moss. Concluindo: é muita Elisabeth para pouco roteiro.
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