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A sétima arte agradece (Nós)



Jordan Peele é sinônimo de estranheza e criatividade. Com Corra! o diretor estabeleceu uma extrutura diferenciada de narrativa dentro do gênero: mesclar comédia e terror para ressaltar temáticas reflexivas no espectador. No primeiro filme, o racismo foi explorado com humor e incômodo. Em Nós, Jordan reforça o tom cômico, mais intenso que em Corra!, e destaca como temática central medos  internos da protagonista vivida intensamente por Lupita Nyong'o.

Nós conta com o envolvimento integral de Jordan. O diretor produz e escreve, além é claro, de estar na direção. O comprometimento por completo com o longa enfatiza a autoria de Jordan. O roteiro gira em torno de Adelaïde Wilson e já no primeiro ato o espectador percebe que algo não está dentro da normalidade, apesar da suposta harmonia da família ao chegar na casa de praia para aproveitar as férias. O roteiro explora a infância da protagonista e o trauma que a aflige nos dias atuais. Após a aparente tranquilidade familiar, o segundo ato é voltado para uma atmostra extremamente tensa. Jordan, nas entrelinhas demonstra a diferença de classes nos Estados Unidos ao inserir a família de Kitty Tyler. Além de metáforas voltadas para os dramas e conflitos interiores da protagonista, o roteirista explora a representação de coelhos ao longo dos atos. A tensão é gradativa pela atmosfera criada por Jordan, mas também por explorar aos poucos o arco de Lupita. Assim, o envolvimento do espectador é intenso do começo ao desfecho. A partir do momento que Adelaïde encontra sua cópia, o estranhamento no roteiro de Jordan ganha mais força. As reviravoltas acontecem no tempo certo para que o espectador vá além do envolvimento e tome o filme para si. Esse envolvimento somente perde força pela edição de uma determinada cena no desfecho e  roteiro expositivo. Deixar a mente do espectador fluir seria mais plausível.

A direção de Jordan Peele é precisa ao trazer o espectador para dentro do filme. O diretor possui um trabalho minusioso ao construir a mise-en- scène. A movimentação dos atores em cena transmite a sensação constante de urgência e suspense na trama. Os planos fechados e o primeiro plano principalmente na pratogonista reforçam a atmosfera construída por Jordan. Outro elemento narrativo primordial que ressalta a tensão em Nós é a edição de som. Todo o trabalho realizado ao explorar o som dentro da casa transmite de forma intensa o drama vivido pela família. A trilha sonora  também auxilia na tensão com tons agudos e as músicas escolhidas casam perfeitamente com o humor explorado no roteiro de forma leve quebrando a tensão dentro da trama.


O elenco é responsável pelo equilíbrio entre os gêneros. Winston Duke reforça o lado cômico no núcleo familiar. Mesmo nos momentos mais intensos, o ator mantém o arco leve presente em Gabe Wilson. O ator evidência o estranhamento nas situações com um ar incrédulo e cômico tranquilizando o casal de filhos. O destaque fica mesmo para Lupita que carrega a tensão nos atos. O olhar expressivo e o corpo da atriz são características da protagonista. A composição interna e externa reforçam o comprometimento na construção da personagem. Lupita é a alma perturbada que invade o filme com tamanha intensidade que instiga o envolvimento por completo do espectador. Seria interessante se a atriz fosse reconhecida pelo trabalho, mas como sabemos que o Oscar tem uma tendência covarde em esnobar o gênero, portanto, a atriz poderá ficar de fora. Outro destaque é para a sempre competente Elizabeth Moss. Uma personagem coadjuvante que consegue duelar perfeitamente com Lupita em termos de nuances para compor a Kitty. A cena que em que a personagem olha pela janela é digna de indicação. As crianças também reforçam a atmosfera tensa do filme. Todos estão no comprometimento máximo com seus duplos. 

Jordan entrega ao espectador um filme mais caucado em metáforas e traumas da protagonista. Os elementos narrativos dialogam perfeitamente para a tensão em Nós. A dualidade dos personagens reflete nas atuações e entrega total dos atores. Apesar do roteiro expositivo no terceiro ato casado com a montagem tirarem um pouco o espectador da imersão proposta nos demais atos, o equilíbrio entre o terror e a comédia o trazem novamente para dentro do filme. O estranhamento proposto por Jordan Peele faz com que o espectador tome o filme para si do começo ao fim. O diretor trabalha perfeitamente o envolvimento do espectador ao construir a mise-en-scène e explorar planos fechados na casa. O primeiro plano também reforça o envolvimento do público, pois Jordan confia e explora ao máximo o potencial Lupita. Que venham mais estranhamentos e criatividade da mente intensa de Jordan Peele. A sétima arte agradece.

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