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O equilíbrio perfeito entre entretenimento e conteúdo (O Rei Leão - 1994)




Hakuna Matata. É lindo dizer. Hakuna Matata. Sim, vai entender. Os seus problemas, você deve esquecer. Isso é viver. É aprender. Hakuna Matata. Quem escuta esse refrão logo se lembra de um marco na animação dos estúdios Disney e da cultura pop. O Rei Leão acompanhou gerações por vários anos quando estreou em 1994. Os estúdios deixaram de lado as princesas lucrativas e investiram em animais que cantavam em uma trama que mesclava inocência e dramaticidade. Simba é um pequeno leão que observa o comando de seu pai, Mufasa, na savana africana. O pano de fundo é o ciclo sem fim da natureza, onde tudo está conectado. A inspiração para a animação veio da dramaticidade de Hamlet, de Shakespeare, Bambi e histórias bíblicas de José e Moisés. Tanta inspiração cativou várias gerações ao longo dos anos.  

A primeira cena da animação é voltada para ressaltar a liderança de Mufasa e a apresentação do pequeno e futuro rei Simba. A trilha que acompanha a apresentação do protagonista é Circle of Life, que destaca a força presente na natureza. Após o nascimento do Simba, a trama avança e o filhote já está maior. Movido pela inspiração de coragem e força do pai, Simba explora a savana africana imaginando o possível reinado. O roteiro explora a inocência do leãozinho ao mesmo tempo em que foca na rivalidade entre Mufasa e Scar. Dessa forma a animação ganha contornos mais intensos e dramáticos nos arcos dos irmãos. Ao longo dos atos a trama alterna e busca o equilibrio entre o drama e o humor. Após a morte de Mufasa, Scar assume o poder e a savana perde a força, um reflexo direto do comando sombrio do personagem. Simba foge e no meio do caminho encontra Timão e Pumba, uma dupla que cativou os corações de várias gerações. Para a apresentação dos "pais adotivos de Simba" surge a trilha de Hakuna Matata. A leveza dos personagens proporciona um ritmo diferenciado na trama como um todo. Timão e Pumba modificam de forma extremamente positiva a animação. A dupla faz com que Simba esqueça os problemas e viva a vida de forma mais divertida. Perto do terceiro ato Nala reencontra Simba e o faz refletir sobre o passado e como ele pode ser o rei e suceder o reinado de Mufasa. Ao retornar Simba encontra a savana devastada comandada por Scar e hienas. O ápice da inspiração de Shakespeare é quando Simba luta com o tio e conquista seu lugar por direito. Um roteiro repleto de humor e drama que prende a atenção do espectador do começo ao fim.

O musical voltado para a jornada do herói possui uma trilha intensa que busca o equilíbrio durante toda a animação. A apresentação de Simba como futuro rei é embalada pela emocionante Circle of life que impulsiona a abertura da animação e resume que todas as espécies estão conectadas no ciclo da vida. As canções acompanham o arco do protagonista e dos demais coadjuvantes. Quando Simba deseja ser rei e prova que é valente a música I Just Can Wait to Be King é repleta de cores, personagens, vida selvagem, tudo em perfeita harmonia. Para a introdução do vilão, Be Prepared,  que reforça todo o rancor e sarcasmo de Scar. Como a vida selvagem presa pelo equilíbrio, a canção ganhadora do Oscar que inspira leveza para explorar o romance de Nala e Simba é Can You Feel the Love Tonight, de Elton John. A canção proporciona uma pausa no ritmo da animação para a reconciliação dos personagens. Já Hans Zimmer, ganhador do Oscar pela trilha sonora, acompanha a jornada do herói do protagonista em vários momentos significativos do amadurecimento e retorno do protagonista. 


Por ser uma animação que explora diversas espécies os dubladores precisavam inspirar o espectador e instigá-lo a acreditar não somente que os animais poderiam cantar como também impor personalidade a cada um deles. E o resultado não poderia ser melhor. Ao longo da jornada de Simba ele encontra com Timão e Pumba. A dupla é a alma da animação. Na versão dublada, Pedro de Saintgermain (Timão) e Mauro Ramos (Pumba) marcam a trama e proporcionam a leveza necessária para a animação. Já Scar é a medida exata entre o sarcasmo e a vilania. Jorgeh Ramos imprime um timbre perfeito para expressar a ironia do personagem. Jeremy Irons (Scar) é um vilão repleto de amargura e envolto por sombras. Se Timão e Pumba são os responsáveis pelas cores e um ritmo diferenciado para a trama, Scar aparece sempre com a cor verde para reforçar o lado sombrio do personagem. O trio de hienas surge para destacar o aspecto mais pesado da cadeia alimentar. Mortas de fome e sempre com a barriga vazia, o trio reforça ainda mais a vilania de Scar. Os dubladores estabelecem não somente a personalidade de cada animal, como também reforçam o equilíbrio entre o humor e a dramaticidade.

O Rei Leão foi um tiro no escuro do estúdio que em paralelo apostava todas as fichas na princesa Pocahontas. Enquanto uma equipe maior estava voltada exclusivamente para a princesa, outra equipe reduzida se dedicava ao desenho que futuramente seria a maior arrecadação de bilheteria do estúdio. Não é difícil explicar o sucesso da animação. A inspiração de Shakespeare, o pano de fundo com o ciclo da vida, a batalha e rivalidade entre irmãos e a busca insaciável pelo poder. Além de todas as temáticas existe em O Rei Leão aspectos filosóficos inseridos de forma peculiar em Rafiki. Assim, a animação cativa gerações, pois estabelece o equilíbrio perfeito entre entretenimento e conteúdo.




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