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Uma narrativa em busca de identidade (A Lei da Noite)


No decorrer dos atos de A Lei da Noite, o espectador pode se perguntar: qual filme estou assistindo? Essa é uma pergunta que não conseguimos obter resposta. A narrativa passa por vários gêneros e temáticas, mas sempre de forma superficial. De longe temos a autoria das mãos precisas de Ben Affleck na direção. O ator mostrou em filmes anteriores que pode exercer várias funções e se apropriar da obra por completo, porém, o novo trabalho de Affleck parece uma trama em constante busca por algo que sempre esbarra em elementos narrativos que não acrescentam no todo.


É preciso cautela quando o roteiro explora a narração como recurso dentro da trama. O equívoco é apresentar o contexto e alguns personagens com esse recurso e abandoná-lo no restante dos atos. A sensação que fica ao final do primeiro ato é que ele possui um tratamento totalmente diferenciado dos demais. A primeira meia hora poderia ser facilmente incluída na trama com a narração ao longo do filme. A montagem também é um recurso explorado de forma diferenciada no primeiro ato que choca com o restante do filme. Os cortes são rápidos e não existe tempo suficiente para que o espectador seja ambientado na história.  


Após alguns acontecimentos significativos na vida do protagonista que o roteiro não desenvolve de forma convincente, o segundo ato é retratado com uma atmosfera mais envolvente. O espectador é inserido literalmente em outra trama com coadjuvantes interessantes e arcos desenvolvidos. A presença de Zoe Saldana como Graciella atraí o protagonista e o público. Ela complementa as cores quentes da fotografia trazendo mais segurança e presença forte para o Joe. Apesar dos personagens terem um peso maior no segundo ato, o roteiro não desenvolve pontos importantes para a narrativa. Deixar como pano de fundo a questão racial, a Klu Klux Klan e a Lei Seca é reflexo do roteiro raso também realizado por Ben Affleck. Personagens fortes como Chief Irving e Loretta poderiam ter maior relevância para a trama se dirigidos e explorados de forma convincente. Elle Fanning e Chris Cooper são atores extremamente competentes, mas que perdem todo o potencial que possuem com um roteiro fraco e direção equivocada. 

O que torna o filme atraente é o cuidado estético de A Lei da Noite. A direção de Affleck consegue explorar alguns recursos importantes dentro da trama. O posicionamento dos atores em cena sempre que eles se encontram para tratar de negócios é a típica postura de filmes clássicos: pernas cruzadas, os atores de frente um para outro, sempre com um objeto nas mãos. A luz que entra pelas janelas também realça e engrandece determinadas cenas, proporcionando um destaque maior para os personagens. A fotografia com paleta de cores quentes remete o espectador imediatamente aos filmes antigos de gângster, mesmo que o protagonista ressalte a todo o momento que ele não é um, a atmosfera da trama é bem próxima de narrativas que exploram essa temática. 

A Lei da Noite é um filme que encontra ao longo do caminho personagens pouco desenvolvidos, uma direção que não sabe que rumo tomar e um primeiro ato que acrescenta pouco ao contexto da trama. Ben Affleck apresenta ao espectador um filme que poderia ser intenso, firme e com temáticas interessantes, mas o diretor se perde ao conduzir várias subtramas e deixa o espectador com a sensação de estar diante de uma narrativa em busca de identidade.  

Comentários

Alex Monreal disse…
O que mais eu gostei deste filme é a musica com a que a ambientaram cada situação da historia. O gênero de drama nunca foi um dos meus preferidos, porém devo reconhecer que A lei da Noite foi uma surpresa pra mim, já que apesar dos seus dilemas é uma historia de drama que segue a nova escola, utilizando elementos clássicos. Com protagonistas sólidos e um roteiro diferente.

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