O diretor Shane Black possui uma filmografia em que flerta com
diversos gêneros, mas de tempos em tempos, ele realiza um projeto, como
roteirista ou na direção, onde as temáticas são semelhantes: uma dupla de
policiais ou investigadores com personalidades distintas que no primeiro
momento não se suportam, mas que no decorrer do filme se complementam. Foi
assim em Máquina Mortífera 4 (1988), Beijos e Tiros (2005) e o mais recente
Dois Caras Legais (2016).
A trama do filme tem como centro os protagonistas Jackson Healy
(Russell Crowe), um investigador que utiliza de métodos violentos para resolver
os casos que surgem em seu caminho. No lado oposto temos Holland March (Ryan Gosling), um detetive particular que raramente possui momentos de sobriedade e
tenta cuidar desastrosamente da filha adolescente Holly (Angourie Rice). Após
Russell dar alguns socos e literalmente quebrar o braço de Gosling, ambos
percebem que estão envolvidos no mesmo caso, o sequestro da filha de uma
importante funcionária do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
O inevitável acontece e os protagonistas unem habilidades para
tentar desvendar o caso. O primeiro contato do espectador é com uma jovem de
doze anos que tem um namorado mais velho para simplesmente ter acesso fácil à maconha. Este é o aspecto mais leve que encontramos no roteiro escrito
por Shane que não possui limites em explorar ao máximo o politicamente
incorreto. Holly também auxilia o pai, pois, na sua concepção, ele é o pior
detetive do mundo. Claro que a adolescente sempre está no lugar errado e
correndo riscos. Como “lugares errados” temos uma festa com ambientação voltada
para o sexo e filmes pornô. Sim, em determinado momento a filha de Holland não
somente conversa com uma atriz pornô como assiste ao filme estrelado por ela. À
medida que a investigação cresce, o espectador é testado com diversas situações
constrangedoras. O que um menino pediria em troca de informações? 20 dólares?
Sim. E não satisfeito com o dinheiro, ele afirma que na noite anterior fez um
teste para participar de um filme adulto. São sucessivas situações conduzidas
de forma irreverente pelo diretor, mas é preciso que desde o começo da trama o
espectador aceite a proposta do filme e assim a história vai conquistando aos
poucos o público.
Muito do politicamente incorreto presente no roteiro ganha um tom divertido graças ao elenco. Russel Crowe trabalha seu personagem
nos detalhes. O jeito de olhar, o modo de andar, a sobriedade e principalmente
o lado centrado fazem de Jackson o durão da dupla. Já Ryan Gosling
explora ao máximo o timing cômico e muitas vezes teatral de Holland March. As
situações mais absurdas são vividas por ele que permanece literalmente no
ar saltando de um lugar para o outro do que preso em terra firme. O contraste de
ambos encaixa perfeitamente no contexto do filme.
A atmosfera apresentada em Dois Caras Legais é explorada de
maneira competente e lembra bastante os filmes noir dos anos 40. Um aspecto que
impressiona na trama é a reconstituição de época. A história é ambientada nos
anos 70 e a todo momento somos lembrados deste aspecto com detalhes importantes como: o cuidado com as garrafas de cervejas, os
bares, penteados. Todos os aspectos ganham relevância e envolvem o espectador. A
trama central é ofuscada propositalmente por subtramas que podem não fazer
sentido no primeiro momento. A questão de vários personagens entrarem no
contexto abruptamente acrescenta no ritmo da narrativa.
O filme possui situações que só fazem sentido e graça se o
espectador aceitar a proposta apresentada pelo diretor. Se deixar levar pela
atmosfera e principalmente pelo politicamente incorreto é a base para que
Dois Caras Legais funcione. O desfecho deixa no espectador à sensação de querer
acompanhar a dupla em outras investigações.
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