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Um filme que fascina o espectador (Era uma Vez em...Hollywood)


Era uma Vez em ... Hollywood é Tarantino em todos os detalhes. A assinatura percorre a narrativa a cada cena fazendo o espectador exclamar em vários momentos: " Estou vendo um filme do Tarantino." Tudo remete a autoria do diretor. A trilha sonora que impulsiona as cenas, os diálogos intermináveis que possuem desfechos constrangedores para os personagens envolvidos, o requinte da direção de arte, o domínio ao explorar a persona de cada personagem e a diversão quando se tem o domínio da direção. Tudo que fez de Tarantino ser Tarantino. O exagero na violência sempre esteve presente, mas em Era uma vez em...Hollywood, a violência exagerada tão característica dá espaço para demais exageros do diretor e é neste aspecto que o filme peca.

A trama é ambientada na década de 60, por essa razão quase todas as cenas são voltadas para o trabalho impecável da direção de arte. Basicamente tudo que o espectador observa em cena enriquece a trama pelo poder do elemento narrativo. Desde os pequenos detalhes até os outdoors. É o protagonismo da direção de arte que transporta o espectador para o final dos anos sessenta. Os programas de TV, as séries, os estereótipos, os rótulos de bebidas, cigarros, cabelos, figurinos, letreiros do cinema, drive in e maquiagem. Quentin explora a atmosfera apoiando-se no elemento narrativo por um tempo prolongado. Durante os atos Cliff dirige para Rick e no percurso toda a atmosfera da década é explorada em tela. Já no primeiro ato, o exagero ao ressaltar o recurso narrativo pode causar desconforto no espectador. O mesmo acontece com a trilha sonora, marca registrada do diretor. O elemento é explorado de forma sábia na trama. A trilha está presente no rádio de Cliff , em festas que Sharon Tate participa e em momentos de descontração dos personagens. Porém, o exagero se faz presente. Não existe respiro entre os atos para a utilização da trilha. As músicas são selecionadas com primor pelo diretor, mas não causa muito impacto por serem utilizadas a todo momento. Na cena da mansão da Playboy o recurso é reforçado de forma criativa e acrescenta no arco da personagem. O mesmo não se pode dizer das cenas em que Cliff escuta rádio no carro. Explorar de forma corriqueira o recurso, como parte da rotina do dublê é interessante, mas utilizar constantemente perde o aspecto corriqueiro para dar lugar ao recurso previsível.

Era uma vez em...Hollywood é uma bela homenagem ao mundo do faz de conta cinematográfico. Fazer de Leonardo DiCaprio um astro de séries de TV que busca entrar no mundo dos grandes estúdios de Hollywood é o aspecto que ressalta a autoria de Tarantino. É o contraste perfeito entre a aura do astro na vida real com o ator decadente da ficção. O roteiro do diretor foca na insegurança de Rick ao constatar que sua carreira está em declínio. É interessante como Tarantino provoca um incômodo constante em Rick com a presença dos coadjuvantes. Cada personagem que contracena com Rick faz questão de tocar no assunto. É Quentin reforçando a todo o momento a corda bamba do mundo artístico. Mas em determinado momento o diretor reforça também a questão de atores mirins que se portam como adultos. É o contraditório novamente gerando momentos de reflexão. A pequena Trudie é a atriz do método que praticamente ensina a técnica para o protagonista, mesmo que Rick domine a cena por completo. Já no arco de Cliff, o diretor não explora muito a vida do personagem. O que importa é a amizade com Leonardo. O espectador não sente falta de um arco aprofundado do personagem. O mesmo acontece com Tate. Tarantino somente se preocupa em explorar a imagem e delicadeza de Margot Robbie, o restante fica por conta do Era uma vez que envolve a personagem no terceiro ato. E assim, o roteiro de Tarantino reforça a ausência de diálogos extensos e prioriza a dinâmica entre Rick e Cliff.


A autoria de Tarantino também se faz presente na direção. A homenagem ao universo de Hollywood fica evidente no cuidado que o diretor tem ao conduzir as cenas. Em vários momentos quando Leonardo está inseguro com relação à carreira, o diretor explora o diálogo com os coadjuvantes e utiliza o zoom in para reforçar ao máximo o desconforto do protagonista. O close também se faz presente principalmente na comida de Brandt, uma pitbull que em determinado momento ofusca boa parte do elenco. Um dos recursos narrativos que elevou a carreira de Tarantino em Hollywood foi a montagem. Aqui o recurso aparece em diversos momentos para gerar alívio cômico na trama. Diferente de Pulp Fiction que possui um ritmo frenético, em Era uma Vez em...Hollywood o exagero com que o diretor utiliza o recurso prolonga e torna o filme cansativo, especialmente no segundo ato.

Além da firmeza na direção, Tarantino é um ótimo diretor de atores. É lindo ver a entrega de Leonardo DiCaprio para o papel. O ator apresenta nuances para o protagonista digna de uma indicação para o Oscar. A insegurança mesclada com a dramaticidade faz de Rick um protagonista que vai além da figura do ator conhecido pelas séries de TV. O espectador observa a humanidade de Rick e DiCaprio compreende perfeitamente a transição do personagem. Agora, o que acontece com Brad Pitt é especial. Cliff é aquele personagem que beira o conformismo, mas que está sempre em alerta. O personagem é o elo perfeito para a comicidade da trama. Pitt alcançou um patamar em Hollywood onde a beleza física ficou para trás e a composição do personagem é prioridade. Tudo bem que o ator tira a camisa em determinado momento do filme, mas essa imagem fica em segundo plano com a entrega de Pitt ao estar imerso nos efeitos de um cigarro vendido por uma hippie por cinquenta centavos. É Pitt entregando um dos melhores personagens de sua carreira. Já Margot Robbie hipnotiza pela beleza, apesar de não ter muito propósito na trama. A atriz sorri, dança e transmite doçura para a personagem. 

Era uma Vez em...Hollywood exalta a autoria de Tarantino em cada cena, mas o exagero de determinados elementos narrativos transforma uma bela homenagem em um filme mediano do diretor. Quem diria que a trilha sonora, uma das marcas do Quentin, fosse pecar pelo excesso. Claro que o diretor tem o cuidado ao explorar o recurso de forma sábia no roteiro, mas utilizá-lo constantemente fica cansativo. O mesmo acontece com a montagem. A sensação é que o recurso tão característico do diretor foi explorado de forma mecânica somente para ressaltar a autoria de Tarantino. Era uma Vez em...Hollywood não reflete a autoria inspiradora do diretor. É um filme que transita entre os excessos e o freio de mão. O excesso de trilha e montagem e o freio nos diálogos e violência. Mesmo com todos os tropeços ainda é um filme que fascina o espectador.


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