O Show de Truman é televisionado para mais de 222 países. São 1,7 bilhões de telespectadores acompanhando literalmente todos os passos do protagonista. O nascimento, o primeiro beijo, a época da escola, faculdade, o desaparecimento do pai. Uma vida muito próxima de uma pessoa comum, tudo tão rotineiro que um evento anormal, a queda de um holofote, causa estranheza em todos ao redor de Truman. Ed Harris é o Criador do Show, o primeiro programa a adotar uma criança. Toda mudança repentina, mesmo que esteja no mais profundo silêncio, um pequeno movimento é motivo de pânico. Uma sucessão de eventos faz com que a equipe evite todas as tentativas de fuga da realidade de Truman. Porém, o inevitável acontece e o protagonista percebe que tudo está normal demais.
O roteiro explora a vida de Truman e envolve o espectador em cada movimento atípico do protagonista. Nos colocamos no lugar do público que acompanha o Show por três décadas. Andrew Niccol explora os conflitos internos de Truman baseado no equilíbrio entre os coadjuvantes. Enquanto os atores do programa tentam manipular Truman, os demais, especialmente Jenny, alertam sobre a existência do programa. Neste equilíbrio o arco de Marlon é o que ganha destaque. Existe um elo sentimental entre os personagens mesmo que o roteiro do programa insista em manter a falsa realidade. Na outra ponta Andrew explora o arco Lauren que tenta alertar o protagonista, a personagem retorna em um momento crucial da trama intensificando o poder do debate ético entre o Criador e o Astro. A divisão dos atos é precisa com pontos de virada significativos. Os acontecimentos estão próximos do formato de uma série em que cada episódio o público aguarda por novas reviravoltas.
Os atores compreendem perfeitamente a questão da interpretação dentro do Show.
Laura Linney é a responsável pela parte do marketing dos produtos e por proporcionar ao espectador momentos cômicos na narrativa. O olhar fixo quando anuncia os produtos intensifica o equilíbrio entre o humor e o drama. Ed Harris reforça a tensão e o perfeccionismo em Cristof. O ator ressalta no olhar fixo do personagem toda dramaticidade do coadjuvante. Harris é o coadjuvante clássico que faz o arco do protagonista mover. Jim Carrey é a marionete nas mãos do Criador. O Astro do Show fica por conta do carisma de Carrey. É ótimo ver a versatilidade do ator em cena. Perto do desfecho o ator explora a dramaticidade e o humor de Truman. Existe um ar melancólico que permeia a construção de Jim. O ator estava no auge e teve a oportunidade de mostrar ao público que transitava perfeitamente entre os gêneros.
Os elementos narrativos são voltados para destacar as vendas no programa. A direção de arte e figurinos reforçam a cor vermelha. Determinados figurantes aparecem com uma peça na cor e o protagonista também em momentos sentimentais usa uma blusa ou casaco vermelhos. Vermelho é a conexão entre Sylvia e Truman. No primeiro e único encontro do casal a atriz veste um suéter com a cor. A direção de arte intensifica a cor nos anúncios de publicidade na cidade cenográfica. Já o domínio da direção de Peter Weir destaca a diferença entre o mundo real e o programado. A lente olho de peixe simula o olhar do espectador em diversos momentos, porém na intensidade das emoções os planos são abertos. O destaque fica para a cena na qual o Criador fica pequenino perante o Astro fazendo um carinho no protagonista. A câmera reforça a confusão e os conflitos internos com movimentos bruscos. Já a câmera tremida é o destaque na transição do protagonista ao perceber que o mundo real não é tão real assim. Além dos aspectos técnicos, os questionamentos provocam o espectador mesmo após duas décadas. Somos realmente donos de nossas vidas? Como o outro nos manipula? Os programas de televisão preenchem um vazio existencial ou visam somente o entretenimento? Enfim, os questionamentos ficam para o espectador, enquanto o protagonista se despede com a famosa frase: " Caso não os veja mais, bom dia, boa tarde e boa noite".
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