O cinema vive de ciclos que retornam em uma roupagem diferenciada. O gênero western teve seu apogeu nas mãos de John Ford. Já a presença marcante de
Clint Eastwood proporcionou uma retomada com Os Imperdoáveis. O que o gênero e Clint nos apresenta de semelhanças? Autoria, trilha sonora, mulheres indefesas e elenco branco. Se o espectador piscar perde a presença de um figurante negro. Décadas se passaram e Jeymes Samuel proporciona uma roupagem atualizada para o espectador. Mulheres fortes, trilha pop, sangue (muito sangue) e um elenco totalmente composto por atores negros. Se você piscar encontra uma cena com coadjuvantes brancos. A trama gira em torno de Nat Love que possui uma marca na testa deixada pelo temido Rufus Buck. A marca é resultado de um acerto de contas que Rufus teve com a família de Love. O tempo passou e a marca ficou. Não somente no aspecto físico como também na alma alimentada pela vingança.
O roteiro de Jeymes destaca a dualidade de cada personagem com camadas intensas que fazem o espectador acompanhar cada membro dos grupos rivais. As mulheres são fortes e empoderadas. Mary é dona do bordel da cidade pacata. Já Trudy assume a liderança na ausência de Rufus. Mas em nenhum momento o amor e lealdade que as personagens sentem as tornam frágeis. Sim, uma mulher pode se permitir sentir emoções ao mesmo tempo que necessita ser forte. Em boa parte da trama elas são as verdadeiras protagonistas. Tanto Rufus quanto Nat possui conflitos internos que os fazem ser tão interessantes e que vão além da rivalidade. Os de mais coadjuvantes também merecem o devido destaque apesar de um personagem veterano nos alertar sobre algumas previsibilidades. Nada que prejudique o arco de Jim que nos cativa pelo alívio cômico. O que dizer de Cuffee? Ela é o que deseja ser. Ponto.
A cada cena Jeymes estabelece um equilíbrio entre homenagem e autoria. O close no olhar e na arma, o plano geral dos personagens cavalgando, a câmera que destaca a aura dos protagonistas, uma bela coordenação da mise-en-scène nas cenas de ação e uma trilha marcante. Não há como negar que existe um exagero na homenagem. Os closes nos personagens são infinitos, cada um possui um momento para chamar de seu, o que torna o filme em diversos momentos cansativo. Porém, a trilha surge principalmente nesses momentos, o que proporciona o retorno do espectador para a narrativa. Um elemento narrativo interferindo diretamente nos demais fazendo com que o resultado seja satisfatório.
Jeymes também conta com um auxilio e tanto do elenco para atrair em cheio o espectador. De um lado temos Jonathan Majors que possui uma presença intensa em cena e interpreta Nat de forma potente e vibrante. E do outro nada menos que Idris Elba, de forma intimista atribui uma aura de medo e ao mesmo tempo que intensifica a fragilidade perto do desfecho. Regina King nos presenteia com mais uma personagem forte, não que seja um aspecto negativo, mas o potencial da atriz poderia ser explorado em demais vertentes. E Zazie Beetz nos cativa pela camada emocional. Porém o destaque feminino fica para a jovem Danielle Deadwyler. Cabe à atriz ser o ponto fundamental da atualidade no gênero. Jeymes apresenta ao espectador um ciclo que retoma o gênero marcante de décadas atrás com certo exagero que cativa o espectador.
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