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Roberto estava indo tão bem (O Ninho)

O jovem Samuel conhece pouco do mundo, tudo conhecimento adquirido pelo jovem é proporcionado pela mãe que o cria em uma redoma. A casa isolada é repleta de mistérios envolvendo também o passado da família. Samuel ficou paraplégico após sofrer um acidente de carro com o pai. Com o passar dos anos Samuel nutre a inquietação de conhecer o mundo, especialmente tudo que seja ligado à música. Na data de seu aniversário, ele deseja assistir um concerto musical. Tudo muda com a chegada de Denise, uma jovem que desperta sentimentos e desejos em Samuel. A adolescente o instiga e lhe apresenta novas descobertas. Claro que Elena, mãe de Samuel, não gosta da aproximação, mas precisa da jovem para outros fins familiares.

O roteiro apresenta aos poucos os conflitos internos de cada personagem. Alguns envolvem o espectador somente pela excentricidade, porém o foco é no jovem Samuel que pela impossibilidade de andar depende exclusivamente dos cuidados da mãe. Elena se sente ameaçada pela chegada e beleza de Denise. Aos poucos Roberto intensifica o arco de alguns personagens envolvendo o espectador nos segredos da família a tal ponto de não sabermos ao certo tudo que acontece entre eles. Sabemos que o mundo exterior não existe para o jovem, Shyamalan manda lembranças, a Vila é uma referência clara. Outra referência é Stanley Kubrick, mais precisamente Laranja Mecânica, no arco de Christian, um doutor lunático que realiza experimentos ao som de Beethoven.  Alguns rituais religiosos também são praticados como forma de punição para quem menciona de forma saudosista algo do mundo externo. A partir do momento que algum personagem entra na casa, o desejo de sair é repreendido. Existe um elo entre a casa e os personagens que não deve ser quebrado. O inevitável acontece e Samuel fica fascinado pela beleza de Denise. O espectador não precisa saber muito sobre os personagens, pois a atmosfera criada em torno deles já provoca inquietação. Porém, próximo do desfecho Roberto perde a mão e apressa os eventos inserindo um final totalmente disttante do que foi apresentado. O que envolvia o espectador não desperta o mesmo interesse nos minutos finais. 


A escolha do elenco é de fundamental importância para que a tensão seja estabelecida durante a narrativa. Francesca Cavallin realiza um excelente trabalho ao proporcionar para Elena momentos de instabilidade emocional, um pequeno close nos braços e o espectador compreende que a personagem necessita da dor para sentir algo. Existe uma palidez necessária, pois a matriarca não pode ser vaidosa. A postura corporal da atriz também é destaque porque ela precisa manter-se rígida para que o filho a obedeça. Já Maurizio Lombardi inquieta o espectador pela entrega caricatural de Christian. A ausência de expressões transmite a sensação de uma figura gélida beirando a psicopatia. As emoções surgem somente quando o coadjuvante pratica a tortura. No extremo oposto está a beleza da jovem Ginevra Francesconi que é fundamental para proporcionar suavidade e vida para a narrativa. Justin Korovkin apresenta traços exóticos que cabem perfeitamente na estranheza familiar. A aparência do ator ganha uma aura singela na presença de Denise. Existe uma emoção contida para manter o enevolvimento com o espectador. 

A direção de Roberto De Feo estabelece uma atmosfera interessante para que o espectador acompanhe os rituais familiares de Elena e demais personagens. O close destaca a troca de olhares entre os coadjuvantes e evidencia a tensão presente na narrativa. A montagem prejudica por diversas vezes o trabalho de Roberto que ambienta o espectador, porém, os cortes abruptos prejudicam a imersão por completo. Vale destacar o desing de produção que casa com os segredos dos personagens. Cores vibrantes e intensas são exploradas em cada cômodo e os detalhes dos objetos cênicos ressaltam o cuidado para que tudo ganhe um aspecto rústico. Existe o equilíbrio na trilha sonora que alterna momentos de tensão e suavidade acompanhando as camadas de Samuel. O Ninho busca referências para atrair o espectador, algumas vazias como no caso do personagem de Christian que existir somente para homenagear Kubrick. O grande problema da narrativa é não focar no essencial abraçando todas as possibilidades, o que é uma pena porque Roberto estava indo tão bem.

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