Pular para o conteúdo principal

De qual diretor estamos falando mesmo? (Corpo Fechado)


Após O Sexto Sentido, M. Night Shyamalan ficou conhecido do grande público. Ele era dono do próprio filme. Uma tríade mais do que autoral: produção, roteiro e direção. Qual diretor não deseja ter liberdade criativa para realizar projetos? Mas será que ele iria surpreender novamente? Ele surpreendeu e manteve a autoria. Para ser sincera, até hoje não consegui compreender atores falando com plantas. Mas, voltando para a Era de Ouro do diretor, Corpo Fechado causou uma verdadeira reviravolta no gênero de filmes de super-heróis. Na trama, Bruce Willis é um super-herói pai de família e Samuel L. Jackson é o vilão que tenta abrir os olhos do herói.

O mais interessante de rever Corpo Fechado é constatar toda a autoria de M. Night Shyamalan em cada detalhe nas cenas. No primeiro ato uma garotinha está observando entre as poltronas de um trem o protagonista. O diretor brinca com o olhar da pequenina, nos transmitindo a sensação de que David faz algo que não é permitido. Algo que ela não poderia olhar. O jogo de câmera segue em diversos momentos acompanhando os personagens ao longo da trama. Eles inclinam a cabeça como se fosse uma marca registrada dentro do filme. O fato da câmera acompanhar também o girar do pacote de presente que o antagonista ganha da mãe é outro aspecto interessante. Claro que não poderia deixar de mencionar a atmosfera de tensão que o diretor cria para envolver o espectador. E, lógico, o plot twist, mas ele ficou para o final do parágrafo, assim como M. Night faz em todos os filmes. Envolve o espectador até o último momento.

O que sobressai além da autoria de M. Night são as atuações. Bruce Willis proporciona ao protagonista um ar melancólico. Ele sabe que não é uma pessoa normal. Não fica doente e em episódios específicos não sofre nenhum arranhão. Bruce é o espectador tentando compreender o que acontece com David. Já Samuel L. Jackson é o antagonista com um ar mais conformado. Não poder levar uma vida normal o fez voltar-se para os quadrinhos. Com a idéia fixa de que ele poderá encontrar uma pessoa que seja o seu oposto, Elijah não mede esforços para convencer David de que ele é realmente um herói. O que torna Corpo Fechado diferenciado é o estudo dos personagens. Um herói retraído que aos poucos descobre  poderes levantando pesos com a ajuda do filho. E um vilão que precisa do herói para dar sentido à vida marcada pela dor. Os atores compreendem perfeitamente a composição dos personagens e proporcionam ao espectador um embate puramente psicológico.


O figurino dos personagens também mostra ao espectador muito sobre a fragilidade psicológica de ambos. O herói possui uma capa, mesmo que ela seja do trabalho como segurança, mas a roupa remete instantâneamente ao elemento primordial dos heróis nos quadrinhos. David sempre veste roupas com cores mais suaves. Já Elijah aparece com uma camiseta ou sobretudo roxo. O Roteiro de M. Night também evidência referências clássicas dos quadrinhos. Além do conflito de esconder quem realmente é David não vive uma vida harmoniosa com a esposa e está cada vez mais distante do filho. O diretor trás à tona o lado humano do herói. O mesmo acontece com o vilão de Samuel L. Jackson. O ar misterioso de Elijah nada mais é do que o sofrimento que ele carregou durante vários anos para tentar encontrar o outro lado da moeda. Mesmo que ele precise se entregar ao selar a amizade com um aperto de mãos. Um ato de amizade que entrega a verdadeira face do antagonista.

Corpo Fechado nunca foi tão atual. É um filme sobre opostos. Herói e Vilão. Rever esse filme marcante de M. Night Shyamalan justamente em um período que filmes de super-heróis estão em evidência, nos faz refletir que existe vida além da fórmula "Marvel". Enquanto a DC luta para proporcionar algum sentido no universo de Superman e afins, M. Night Shyamalan proporcionava reviravoltas. Não poderia ser diferente, afinal de contas, de qual diretor estamos falando mesmo?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entretenimento de qualidade (Homem-Aranha no Aranhaverso)

Miles Morales é aquele adolescente típico que ao grafitar com o tio em um local abandonado é picado por uma aranha diferenciada. Após a picada, a vida do protagonista modifica completamente. O garoto precisa lidar com os novos poderes e outros que surgem no decorrer da animação. Tudo estava correndo tranquilamente na vida de Miles, somente a falta de diálogo com o pai o incomoda, muito pelo fato do pai querer que ele estude no melhor colégio e tudo que o protagonista deseja é estar imerso no bairro do Brookling. Um dos grandes destaques da animação e que cativa o espectador imediatamente é a cultura em que o personagem está inserido. A trilha sonora o acompanha constantemente, além de auxiliar no ritmo da animação. O primeiro ato é voltado para a introdução do protagonista no cotidiano escolar. Tudo no devido tempo e momentos certos para que o público sinta envolvimento com o novo Homem-Aranha. Além de Morales, outros heróis surgem para o ajudar a combater vilões que dificultam s

Um pouquinho de Malick (Oppenheimer)

Um dos filmes mais intrigantes que assisti na adolescência foi Amnésia, do Nolan. Lembro que escolhi em uma promoção de "leve cinco dvds e preencha a sua semana". Meus dias foram acompanhados de Kubrick, Vinterberg e Nolan. Amnésia me deixou impactada e ali  percebi um traço importante na filmografia do diretor: o caos estético. Um caos preciso que você teria que rever para tentar compreender a narrativa como um todo. Foi o que fiz e  parece que entendi o estudo de personagem proposto por Nolan.  Décadas após o meu primeiro contato, sempre que o diretor apresenta um projeto, me recordo da época boa em que minhas preocupações eram fórmulas de física e os devaneios dos filmes. Pois chegou o momento de Oppenheimer, a cinebiografia do físico que carregou o peso de comandar a equipe do Projeto Manhattan,  criar a bomba atômica e "acabar" com a Segunda Guerra Mundial. A Guerra Fria já havia começado entre Estados Unidos e a Alemanha, no quesito construção da bomba, a ten

Rambo deseja cavalgar sem destino (Rambo: Até o Fim)

Sylvester Stallone ainda é o tipo de ator em Hollywood que leva o público aos cinemas. Os tempos são outros e os serviços de streaming fazem o espectador pensar duas vezes antes de sair de casa para ver determinado filme. Mas com Stallone existe um fator além da força em torno do nome e que atualmente move a indústria: a nostalgia. Rambo carregava consigo traumas da Guerra do Vietnã e foi um sucesso de bilheteria. Os filmes de ação tomaram conta dos cinemas e consagraram de vez o ator no gênero. Quatro décadas após a estreia do primeiro filme, Stallone resgata o personagem em Rambo: Até o Fim. Na trama Rambo vive uma vida pacata no Arizona. Domar cavalos e auxiliar no trabalho da policial local é o que mantém Rambo longe de certos traumas do passado. Apesar de tomar remédios contralodos, a vida beira a rotina. O roteiro de Stallone prioriza o arco de Gabriela, uma jovem mexicana que foi abandona pelo pai e que vê no protagonista uma figura paterna. No momento em que Gabriela d