A aposta da Marvel para a fase quatro do universo compartilhado é arriscada. Eternos surge proporcionando respiro para o espectador. O choque é inevitável e pode ser considerado um novo marco do estúdio. Personagens são apresentados com a leveza e sensibilidade de Chloé Zhao na direção. A Marvel de tempos em tempos aposta na autoria de alguns diretores, como Ryan Coogler, responsável direto por modificar os rumos dentro do universo. O filme do diretor abriu espaço para uma nova vertente focando em uma temática intensa que movia a narrativa como um todo. No filme de Chloé, repleto de autoria, a trama gira em torno de um grupo, Eternos, modificado geneticamente por deuses espaciais conhecidos como Celestiais, que precisam salvar o mundo de uma ameaça maior, os Deviantes. Ryan foi direto, diferente de Chloé, que toca em várias temáticas e não as desenvolve com tamanha intensidade. A diretora literamente abraçou o mundo e perde o foco em determinados momentos.
O cuidado com o roteiro ambienta o espectador ao explorar um universo totalmente novo. Chloé apresenta os conflitos internos de cada um, além do cuidado em explorar a origem do novo grupo. Os conflitos ganham contornos questionáveis, pois influencia diretamente na duração do longa perdendo o foco em um eterno vai e vem da montagem. O roteiro volta em alguns aspectos já mencionados e utiliza reviravoltas que perdem a força no decorrer dos arcos. São muitos personagens e perto do desfecho conectar os poderes com as devidas ameaças torna tudo muito exagerado. A suavidade da direção choca constantemente com a ação proposta no trabalho em equipe. A cena de abertura conecta o espectador com os personagens e o que cada um representa. No desfecho percebemos o quanto é significativa à contribuição de cada um, mas até chegarmos no embate final são tantas idas e vindas que o impacto gerado não chega perto do que presenciamos no começo do longa. Inserido nos conflitos internos do personagem surgem temáticas que geram reflexões sobre condutas éticas exploradas com maior intensidade em Barry Keoghan, o problema é que o ator gira em ciclos sobre as mesmas temáticas tornando o personagem vazio. O ponto fora da curva que afasta o espectador da narrativa é a personagem Thena. Angelina Jolie possui pausas dramáticas que prejuducam o andamento da trama. Existe o romance com Gilgamesh, que explorado de forma sucinta seria primordial para manter o ritmo do filme. Será que todos os personagens necessitavam de um par romântico? Os conflitos de Pasthos são apresentados de forma natural, como um coadjuvante comum que presa pela segurança da família. Finalmente a sexualidade de um personagem é explorada de forma cotidiana. Como deve ser. Agora, o que dizer da química entre Sersi e Ikaris? Não existe. O roteiro perde muito do envolvimento do espectador com o casal em tela. Existe o cuidado em explorar cada membro do grupo, porém, a narrativa seria mais atrativa se tudo fosse desenvolvido de forma objetiva.
Existe o embate constante durante todo o filme entre a autoria de Chloé Zhao e o gênero. O espectador sente a alternância e a quebra de ritmo em boa parte do filme. O cuidado ao filmar o que a diretora sabe de melhor lembra a obra de Terrence Malick, o primeiro plano e close dos personagens para extrair a emoção, ou a ausência dela e planos abertos focados na natureza embalados por uma trilha sonora sensível. A impressão que se tem é que existem dois filmes paralelos buscando a atenção do espectador. O de Chloé intensifica a dramaticidade dos personagens, já o do estúdio quer a identidade presente no universo compartilhado. O que realmente pode atrair o público é o cuidado do desing de produção em retratar e ambientar o espectador em cada época sugerida pelo roteiro.
Eternos é um ponto fora da curva em vários aspectos mais que peca ao tentar abraçar literalmente todo mundo em um filme só. São várias temáticas válidas que geram debates importantes para um filme de super-heróis, o grande equívoco foi a ausência de foco. Os personagens andam em círculos que não saem do lugar. As temáticas são exploradas de forma repetitiva e outras tão importantes quanto são exploradas em uma única cena. O elenco é focado na representatividade, mas não foi a melhor escolha para mover a narrativa como um todo. Kumail Nanjiani é claramente o ator que serve de ligação entre o universo da marvel e autoria de Chloé Zhao, mas a leveza cômica é exagerada e não funciona transmitindo a sensação de algo forçado e imposto pelo estúdio. Existem pontos positivos em Eternos, porém, o que realmente prejudica o filme é o duelo constante entre autoria e gênero.
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