De tempos em tempos diretores autorais abordam temáticas voltadas para a Segunda Guerra Mundial. Foi assim com Spielberg, no tocante drama A Lista de Schindler. Já Tarantino incendiou um cinema com uma plateia repleta de nazistas, incluindo Adolf Hitler, em Bastárdos Inglórios. Recentemente, Waititi apresentou o pequeno protagonista Jojo com um humor peculiar. E, agora, Malick aborda o tema de uma forma terna e poética. Em Uma Vida Oculta, a harmonia é a protagonista, porém tudo ganha um viés diferenciado quando Franz é recrutado para se alistar nas tropas nazistas. Após a recusa, o protagonista é condenado por trair a pátria.
O foco de Malick é o estudo de personagem de Franz. O diretor sabiamente explora ao máximo no primeiro ato a relação afetiva do casal para, posteriormente, gerar o conflito entre ambos. O roteiro instiga a reflexão do público ressaltando o cunho filosófico e religioso. Não é à toa que o diretor traça um paralelo entre o protagonista e o martírio de Jesus. Em momentos pontuais Franz é "tentado" a assinar um documento que o libera da prisão. À medida que o protagonista é provocado a angústia do espectador aumenta. O protagonista cai algumas vezes, assim como Jesus quando carregou a cruz, mas ambos tinham a fé como aliada. Todos os coadjuvantes que August Diehl encontra pelo caminho o fazem refletir sobre a fé e as consequências de suas convicções. Malick situa o espectador no arco dos coadjuvantes de forma intensa com a habilidade em explorar os conflitos internos de maneira sucinta. A solidão da irmã de Franziska, a lucidez de um louco, a juventude cativante de um preso, o estereótipo de violência e gritaria dos alemães e a figura da morte representada por um personagem vestido de preto. Já o arco de Franziska é tão importante quanto o do protagonista. Ela também carrega uma cruz pesada, pois sofre repressões da população do vilarejo local. A personagem está em um estado de esgotamento físico e mental. Mas assim como a fé sustenta o marido na prisão, a religião e o amor a faz permanecer de pé.
A câmera de Malick exige ao máximo dos atores. Como o diretor utiliza close e primeiro plano, os atores precisam entregar todas às nuances que o roteiro explora. É interessante perceber o contraste que Malick ressalta na figura feminina em sua filmografia. Existe uma fragilidade física em Valerie Pachner que contrasta com a firmeza psicológica ao lidar constantemente com a repressão de Rosalia e o isolamento da população do vilarejo. Já August Diehl é de uma entrega comovente para Franz. O ator trabalha de forma intensa os conflitos internos do protagonista. August presa pelo minimalismo nos momentos de ternura com a esposa e filhas, porém, quando Franz está preso, o psicológico é explorado ao extremo com toda a delicadeza que a autoria de Malick exige. Outro destaque fica por conta da figura materna. Karin Neuhäuser explora a rigidez e sensibilidade de Rosalia. E Franz Rogowski é a leveza necessária para manter a lucidez do protagonista na cadeia.
O fazer cinema de Malick compreende na junção e harmonia dos elementos narrativos. A trilha sonora está presente ao longo do filme para ressaltar a poesia das imagens. É interessante perceber como a natureza dialoga com os conflitos dos personagens. Cabe a fotografia captar toda mudança climática dentro e fora de Franz. Quando o casal se distância, o tempo fecha. Para ressaltar a harmonia do casal o plano aberto das montanhas intensifica o toque afetivo dos personagens. Um elemento fundamental que une e estabelece o conjunto harmônico dentro da narrativa é a autoria de Terrence Malick. O domínio ao construir a mise-en-scène gera fascínio no espectador. Em várias cenas o diretor proporciona enquadramentos que cortam alguns personagens para priorizar os demais ao fundo. Cada imagem reflete o estado emocional dos personagens e tudo é explorado de forma harmônica na narrativa. Assim como o psicológico vai se deteriorando aos poucos, a natureza morre lentamente. Como as imagens na filmografia do diretor dizem muito, o poder da direção de arte em transmitir sensações também se faz presente na autoria do diretor. O contraste entre a beleza das locações e o sufocamento da cela contribui para ressaltar às nuances de Franz. Agora, uma dúvida surge: Vale a pena aguardar o hiato do diretor a cada projeto? Se Malick nos proporcionar uma obra prima a cada filme, o leitor já possui a resposta.
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