Identidade é um filme que se passa na década de 1920, quando muitos negros, nos Estados Unidos, migravam do sul para o norte em busca de uma vida melhor, mas também na ilusão de sofrer menos com o racismo. Uma das primeiras cenas do longa é Irene entrando em uma cafeteria e encontrando uma amiga da adolescência. O choque é inevitável, pois Clare não somente é considerada branca como também é aceita no local. É evidente o contraste entre as duas personagens. Irene evita ao máximo entrar na cafeteria, mas o calor é tamanho que ao entrar ela sente os olhares preconceituosos dos frequentadores locais mesmo sendo considerada branca. Durante os atos Rebecca Hall apresenta os arcos das personagens sempre ressaltando os contrastes de personalidades e principalmente o que uma rejeita na outra. Existe o desejo de Clare em viver a vida de Irene. A personagem exerce a liberdade por se passar por branca e ser casada com um homem rico. Frequenta a alta sociedade e relata que a filha logo irá para o internato escolar. Já Irene é casada com um médico e vive em um bairro mais afastado de Clare. A protagonista deixa a amiga viver a sua vida por compreender que ela sente falta do convívio social com os seus. Ambas sentem a prisão de determinada forma e uma encontra na outra o amparo necessário para que o laço fique mais forte. Porém, a personalidade radiante de Clare começa a incomodar Irene provocando consequências irreversíveis.
A estreia de Rebecca Hall na direção é de um cuidado com a temática e de profunda sutileza. A razão de aspecto projeta o espectador para a década retratada e a fotografia em preto e branco também reforça a aura de filmes de época. A diretora escolhe momentos precisos para ressaltar a troca de olhares entre as personagens. Um toque de mãos e a intensidade dos sentimentos são explorados pela diretora de forma delicada. Aqui vale a máxima de "uma imagem fala mais que mil palavras". Aos poucos Tessa Thompson proporciona uma abertura extremamente tímida para que Clare entre em sua vida. Rebecca sabe que possui duas atrizes muito competentes e intensifica ao máximo o close e o primeiro plano para extrair as emoções de cada uma. Imagens desfocadas surgem para que uma fique em evidência reforçando momentos de virada do roteiro.
Como o roteiro explora ao máximo o contraste de personalidades entre as protagonistas, Rebecca intensifica ainda mais a presença da dupla. Logo no início a aura de Ruth Negga é o destaque. Jeito espontâneo e cativante que alegra todos ao seu redor. A atriz empresta uma postura diferenciada a partir do momento que as camadas da protagonista exigem uma ginada forte e drástica. Ruth consegue transitar pelas variações emocionais da protagonista. A personalidade de Irene é mais introspectiva e melancólica. Tessa Thopmson está comovente no papel e também apresenta transições, porém de forma contida. A personalidade de Clare desperta em Irene uma vontade de ser desejada pelo marido. As protagonistas se transformam de forma significativa despertando o desejo de viver e de resgate das origens.
O cuidado com os elementos narrativos destaca a importância da atmosfera dos filmes da década de 1920. A fotografia em preto e branco intensifica as atuações como também reforça a transparência dos conflitos internos das personagens. Outro elemento que dialoga perfeitamente com as nuances de Irene é a trilha sonora. Uma trilha delicada e melancólica que embala as atitudes da protagonista. Os figurinos também destacam a personalidade de Tessa e Ruth. Mas o que sobressai aos olhos do espectador é como Rebecca conduz à narrativa. Acredito que a sensibilidade e sutileza que sentimos é reflexo de uma mulher na direção. O olhar feminino de Rebecca ao explorar o detalhe das pernas de Ruth, ou no momento delicado de Brian consolando Irene reforça ainda mais esse aspecto. Rebecca consegue imprimir o que o filme possui de melhor: sutileza ao transmitir a dor das protagonistas.
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