Pular para o conteúdo principal

No embalo da nostalgia (Creed 2)


Após o término da sessão de Creed um pensamento surgiu : uma continuação não seria necessária. Os arcos dos personagens possuem pontas que poderíam ser exploradas em uma continuação, mas a trajetória de Adonis caberia em um único filme. Creed teve a autoria de Ryan Coogler e surpreendeu público e crítica. A continuação veio em Creed 2 e a sensação que fica é de um filme que necessita da nostalgia para se manter de pé até o desfecho. Na sequência Adonis luta pelo cinturão e consegue chegar ao topo. A aura que paira em torno do protagonista é de um campeão, mas somente por fora. Por dentro Adonis não consegue sentir a pulsação de um campeão. O tempo passa e eis que Buddy Marcelle faz uma proposta para Rocky e Adonis: lutar com Viktor Drago. O filho de Ivan Drago. O ex- pugilista é a sombra na vida da dupla. Ele é a ponta que surge para resgatar a nostalgia e ter a continuação. 

Creed 2 é um dos filmes com a atmosfera mais densa da saga de Rocky nos cinemas. Steven Caple Jr. possui uma direção pesada com o ritmo mais lento do que Ryan. Durante todo o filme a atmosfera sempre se faz presente para enfatizar que a sequência está caucada na nostalgia de Apollo Creed. Adonis acredita que precisa vencer para acertar as contas com o passado, mas Rocky o orienta para o que pode ser um caminho sem volta. O personagem ressalta: " Ele quebrou coisas em mim.... não vale a pena!". O filme possui atos equilibrados entre os dois lutadores. O primeiro é focado na apresentação de Viktor. Em um plano- sequência que prende a atenção, o espectador tem o primeiro contato com o personagem. Steven compreende a aura densa dos núcleos familiares e consegue mantê-la até o desfecho. Toda a expectativa para a luta final é voltada para uma luta mais corporal, frente a frente. Existe uma atmosfera intensa pela pressão de Adonis ter um adversário fisicamente superior. Os treinamentos são voltados para a força física e mental. Na luta final, a câmera foca mais no contado direto dos atores e explora a mese-in-scène no ringue de forma intensa. São planos fechados e abertos focando o corpo a corpo da luta, o que gera uma sensação constante de tensão entre os atores que reverbera no público.

Assim como a autoria na direção é nítida, o espectador logo se familiariza com o roteiro de Stallone. Acertar as contas com o passado e seguir em frente. Os filmes de Rocky possuem aspectos que retornam em Creed 2. Os momentos em que Rocky precisa incentivar Adonis e a luta interna de cada personagem são a base do roteiro. Existe uma cumplicidade entre a dupla. Resgatar Ivan Draco é um acerto para concluir ciclos. A nostalgia move a sequência, mas Stallone melhor do que ninguém compreende que a base da franquia sempre foi a família e o fechamento dos ciclos. Uma questão que enriquece os personagens é explorar camadas para enfatizar os conflitos de cada um em particular. Reforçar a trilha com Biana cantando engrandece o arco da personagem. Acrescentar os dilemas para a maturidade do casal também é um acerto. Adonis precisa lidar com a responsabilidade paterna e consequências mais graves na saúde da pequena filha. O humor se faz presente de forma leve, mas o predomínio é a dramaticidade. Apesar da previsibilidade é nítido o fechamento de cada ciclo envolvendo os atores principais voltado para a autoria na escrita de Stallone. 


As atuações impulsionam a aura densa de Creed 2. O retorno ao passado abre feridas que nunca cicatrizaram. Michael B. Jordan proporciona densidade para Adonis. A presença do ator é marcante em cena. Como o protagonismo não é mais novidade, o ator precisa buscar outras camadas para o personagem. Já o núcleo da família Draco tem como base a troca de olhares. Ivan e Viktor constroem uma relação física. Os sentimentos são adormecidos e os atores enfatizam esse aspecto. Mesmo que Lundgren tenha limitações como ator, a frieza entre pai e filho casa como que é proposto. A força da nostalgia move os personagens e envolve o espectador. O momento na lápide tão característico de Rocky, agora possui um significado mais intenso e encaixa perfeitamente no arco de Adonis. A diversidade da trilha se faz presente e o tema que embalou os filmes da franquia retorna. Outro som poderá surgir. Um som voltado para a experiência do espectador. O som de emoção do público enfatizando envolvimento com os personagens. Stallone instiga o espectador, mesmo voltado para a previsibilidade.

Creed 2 é um filme que tem como base as relações afetivas e que possui uma atmosfera densa para envolver o espectador. Os laços afetivos que movem toda a franquia Rocky retornam com uma carga dramática mais intensa. Resgatar Ivan Draco é fechar um ciclo para vários personagens. Creed 2 é mais que um acerto de contas com o passado. É um ciclo que se fecha embalado pela nostalgia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...