Pular para o conteúdo principal

Uma excelente recompensa (O Lobo Atrás da Porta)



O Lobo Atrás da Porta é um ótimo exemplar de como o cinema nacional possui méritos ao explorar diversos gêneros. O longa de Fernando Coimbra é um suspense policial baseado em fatos que ocorreram na década de 1960. A narrativa tem como inspiração o caso conhecido como Fera da Penha. Neyde Maria mantinha um caso extraconjugal com o pai de uma criança de quatro anos. A mulher ao descobrir que ele era casado decidiu se vingar matando a garotinha. O roteiro de Coimbra foca principalmente no relacionamento tumultuado de Rosa e Bernardo. Primeiramente temos contato com a versão de Leandra Leal que apresenta fatos questionáveis para alegar inocência no sequestro da criança. No decorrer dos atos o roteiro explora a coadjuvante Sylvia que se torna peça chave para o espectador observar os conflitos internos de Rosa. A princípio a protagonista somente observa o cotidiano da mulher de Bernardo, o ponto de virada é quando Sylvia relata que a amiga foi fundamental para a mudança de comportamento do marido. Sabendo que Bernardo dificilmente irá se separar Rosa começa a premeditar a morte da criança. Outras subtramas são exploradas com devido afinco para que a protagonista tome certas atitudes. Existe um exagero nas cenas sexuais entre Rosa e Bernardo, porém são justificáveis pela atração que um sente pelo outro. Em determinado momento a protagonista sabe que se Bernardo enjoar logo será substituída. Rosa percebe que precisa investir ainda mais nesse aspecto para que o relacionamento não termine. 

Coimbra opta pelo silêncio que diz muito sobre as ações dos personagens. Somente quando Rosa decide se aproximar de Sylvia que a trilha surge com intensidade, justamente para destacar a mudança drástica de postura da protagonista. A ausência do elemento narrativo é primordial para que o trabalho de Coimbra seja o condutor da narrativa. A mise-en-scène destaca a todo o momento como os personagens estão aprisionados no relacionamento e como eles se afastam um do outro à medida que o assassinato acontece de fato. O diretor em alguns momentos posiciona os atores em cômodos separados para evidenciar esse aspecto. Quando Bernardo questiona algumas atitudes de Rosa, Milhem Cortaz está em evidência, já Leandra surge desfocada. Outro ponto fundamental que Coimbra destaca é o aprisionamento dos personagens sempre atrás de grades. As grades demonstram quanto o diretor intensifica a necessidade da prisão e obsessão dos personagens no relacionamento como na foto abaixo. 


Fernando também explora ao máximo os atores que estão intensos nos devidos personagens. Leandra Leal apresenta nuances necessárias para a protagonista. A atriz intensifica a veia ninfeta no começo do relacionamento e aos poucos apresenta um domínio sexual que prende Bernardo na relação, além de enganar Sylvia demonstrando preocupação e afeto pela criança. A nuance mais intensa é quando a atriz começa a premeditar de fato o assassinato. A entrega de Leandra é o destaque do longa como um todo. Milhem Cortaz não apresenta camadas diversificadas para o personagem, mas mantém a intensidade dramática quando necessário. A química de ambos em cena move a narrativa e provoca a imersão do espectador. Já Juliano Cazarré possui uma comicidade discreta que funciona para proporcionar leveza em certos momentos, uma pena que o roteiro não explore devidamente a presença do ator. Thalita Carauta é a coadjuvante fundamental que provoca constantes sorrisos no espectador. 

O Lobo Atrás da Porta evidencia vários aspectos fundamentais para uma nova vertente do cinema nacional. Explorar a diversidade de gêneros mostra ao espectador que podemos avançar rumo ao novo. Sair da zona de conforto é arriscado, mas ao mesmo tempo pode ressaltar uma nova linguagem para os envolvidos e o público. Apresenta um divisor de águas na carreira de Leandra Leal que ganhou diversos prêmios pelo trabalho. Destaca a competência de Coimbra ao conduzir à narrativa reforçando o poder que as imagens possuem ao transmitir símbolos presentes nas camadas dos personagens. Resta ao  espectador se permitir e terá como recompensa cinema de qualidade. 









Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entretenimento de qualidade (Homem-Aranha no Aranhaverso)

Miles Morales é aquele adolescente típico que ao grafitar com o tio em um local abandonado é picado por uma aranha diferenciada. Após a picada, a vida do protagonista modifica completamente. O garoto precisa lidar com os novos poderes e outros que surgem no decorrer da animação. Tudo estava correndo tranquilamente na vida de Miles, somente a falta de diálogo com o pai o incomoda, muito pelo fato do pai querer que ele estude no melhor colégio e tudo que o protagonista deseja é estar imerso no bairro do Brookling. Um dos grandes destaques da animação e que cativa o espectador imediatamente é a cultura em que o personagem está inserido. A trilha sonora o acompanha constantemente, além de auxiliar no ritmo da animação. O primeiro ato é voltado para a introdução do protagonista no cotidiano escolar. Tudo no devido tempo e momentos certos para que o público sinta envolvimento com o novo Homem-Aranha. Além de Morales, outros heróis surgem para o ajudar a combater vilões que dificultam s

Um pouquinho de Malick (Oppenheimer)

Um dos filmes mais intrigantes que assisti na adolescência foi Amnésia, do Nolan. Lembro que escolhi em uma promoção de "leve cinco dvds e preencha a sua semana". Meus dias foram acompanhados de Kubrick, Vinterberg e Nolan. Amnésia me deixou impactada e ali  percebi um traço importante na filmografia do diretor: o caos estético. Um caos preciso que você teria que rever para tentar compreender a narrativa como um todo. Foi o que fiz e  parece que entendi o estudo de personagem proposto por Nolan.  Décadas após o meu primeiro contato, sempre que o diretor apresenta um projeto, me recordo da época boa em que minhas preocupações eram fórmulas de física e os devaneios dos filmes. Pois chegou o momento de Oppenheimer, a cinebiografia do físico que carregou o peso de comandar a equipe do Projeto Manhattan,  criar a bomba atômica e "acabar" com a Segunda Guerra Mundial. A Guerra Fria já havia começado entre Estados Unidos e a Alemanha, no quesito construção da bomba, a ten

Rambo deseja cavalgar sem destino (Rambo: Até o Fim)

Sylvester Stallone ainda é o tipo de ator em Hollywood que leva o público aos cinemas. Os tempos são outros e os serviços de streaming fazem o espectador pensar duas vezes antes de sair de casa para ver determinado filme. Mas com Stallone existe um fator além da força em torno do nome e que atualmente move a indústria: a nostalgia. Rambo carregava consigo traumas da Guerra do Vietnã e foi um sucesso de bilheteria. Os filmes de ação tomaram conta dos cinemas e consagraram de vez o ator no gênero. Quatro décadas após a estreia do primeiro filme, Stallone resgata o personagem em Rambo: Até o Fim. Na trama Rambo vive uma vida pacata no Arizona. Domar cavalos e auxiliar no trabalho da policial local é o que mantém Rambo longe de certos traumas do passado. Apesar de tomar remédios contralodos, a vida beira a rotina. O roteiro de Stallone prioriza o arco de Gabriela, uma jovem mexicana que foi abandona pelo pai e que vê no protagonista uma figura paterna. No momento em que Gabriela d